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domingo, 16 de setembro de 2012

Mãe dos Ventos, Serra do Caju

Lá estava, um dia, Deus, bolado na madruga tarde, deitado em uma rede, em algum lugar do universo que os humanos não conseguem imaginar. Ele tinha frio. Estava cansado do frio. Já tinha criado muitos países frios no mundo, e não gostava do branco da neve. Ele queria cores.
Então, um papel voou até sua rede. Era uma receita de bolo. Seus olhos bateram nas últimas linhas: "assar no forno a 280º durante 40 minutos" e "servir quente". Deus teve uma ideia.

Ingredientes:

Trigo do Oriente Médio
Água quente
Iguanas da América Central
Tamanduás do Belize
Ouro da Suméria
Diamantes a gosto
Arroz da Ásia
Buriti a gosto
10 litros de magma recém-colhido
Vento

Modo de preparo

Massa

Bata a água e o trigo no liquidificador até formar uma massa homogênea. Despeje no local desejado da Terra de Vera Cruz e espalhe uniformemente (cuidado para não formar Pelotas). Acrescente iguanas, arroz, buriti e tamanduás aos poucos. Asse ao forno a 280º durante 30 anos.

Cobertura

Bata o ouro com os diamantes e misture com magma. Acrescente poderes divinos para que o magma e a temperatura do forno se mantenham aquecidos eternamente.

Foi uma receita bem-sucedida. Os campos ficaram dourados, o sol parecia ser mais quente e o vento era incessante. O sol era escaldante, e o céu, sempre azul. As iguanas e cajueiros reinaram nas terras durante muitos anos e o povo que foi colocado naquele local vivia de arroz e buriti. O título da receita, ele adicionou depois de viver tudo isso:

Roraima

Dizem que, se você olhar com calma para o céu, pode ver a rede de Deus balançando enquanto ele se bronzeia.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O certo

Hoje ensina-se a posição dos planetas e a composição química dos organismos. Ensina-se a deduzir fórmulas para obter valores. "Latim é uma língua extinta", "Plutão é pequeno demais para ser considerado um planeta", "algarismos romanos não são mais usados convencionalmente". Ensina-se o certo: há alguns anos atrás, ensinava-se que a Terra era quadrada, que os outros planetas giravam em torno da Terra e que a democracia era uma forma falha de governo. Ensinava-se o outro certo. E mais alguns anos atrás, ensinava-se a guerra como forma de demarcar limites e que povos com outras culturas eram bárbaros. Já se ensinou que o modo certo de honrar alguém após a morte é a mumificação, e que o nomadismo é a forma certa de viver, e que os homens devem ser caçadores, e as mulheres, colhedoras. Em todas essas épocas, desde o surgimento do homem até os dias de hoje, os ensinamentos são o certo. O certo, que está e sempre esteve em constante mutação.
Hoje, exige-se que as pessoas saibam distinguir o certo do errado. E os métodos usados para determinar o que é certo e o que é errado são palavras e números que a própria humanidade inventou.
Daqui a dez mil anos, ensinar-se-á o certo. "Todos os 1540 planetas da via láctea giram em torno de Plutão, o planeta mais quente do sistema Plutonar", "Inglês é uma língua extinta", "Naquela época, os carros tinham rodas".
Somos uma sociedade estudiosa, aprendendo o certo sem questionar. Temos dentes na boca porque esse é o certo. E se, amanhã, alguém descobrir que o certo de verdade é ter só a gengiva, e que os dentes são uma anomalia da nossa geração? E se alguém descobrir que água é uma substância tóxica? E se todos os estudos sobre química e física forem falhos?
E se ninguém nunca descobrir nada que contradiga o que sabemos hoje, o certo ainda será considerado mutável?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Felicidade

Eu o via rapidamente a cada duas horas e meia, em média, mas especialmente naquele dia, ficaríamos quase uma hora juntos. Às vezes eu tinha essa sorte. Trocávamos poucas palavras, por serem elas tão dispensáveis. Estávamos sentados, um ao lado do outro, em silêncio, em meio a dezenas de outras pessoas, assistindo uma adulta falar sobre qualquer coisa à qual não prestávamos atenção. Às vezes nos olhávamos, mas eu sempre o observava. Estendi minha mão e a coloquei sobre a perna esquerda dele. Senti a mão gelada dele vir, rapidamente, ao encontro da minha, e me afagar. Sorrindo, transbordei felicidade.