sábado, 31 de dezembro de 2011

Para 2012




É de praxe que, no final de cada ano, a gente olhe pra trás e filosofe um pouquinho sobre como foi, pra gente, o que passou. O que a gente fez, o que deixou de fazer, do que se arrepende e do que se orgulha.
Esse ano de 2011, pra mim, foi como se fossem dois anos. O primeiro, eu me lembro de ter começado chorando. Não foi um jeito muito bom de começar o ano. Chorei bastante no primeiro ano de 2011. E aí me desfiz do que me fazia chorar. Chorei por isso também, mas há males que vêm para o bem da gente. Aí, depois, comecei um outro ano. Do zero. Resolvi mudar tudo em relação a mim, relaxar e contar com meus amigos. Foi uma fase em que eu só me preocupava comigo, e pronto. Daí veio a capacidade de me preocupar com as outras pessoas também. E de recomeçar, quando chegou a hora. Só que, dessa vez, corrigindo os erros passados. Cuidando pra que tudo fosse diferente. E, até agora, consegui; meu segundo ano de 2011 foi maravilhoso, cheio de sorrisos e com cheirinho de vitória.
Na escola, 2011 foi um ano perdido. Não vou nem falar sobre isso, pra não me estressar.
Dizem que, quando o ano passa rápido, é porque a gente não fez nada, e que, quando ele passa devagar, é porque deu tempo de fazer muita coisa. Acho que é o contrário. Esse ano passou tão rápido, que alguns dias pareciam durar minutos. É porque me diverti muito. Apesar dos apesares, desde 2009, venho notando que os anos estão melhorando, então tenho muitas esperanças pra 2012. Tenho medo do futuro, mas também fico ansiosa pra que ele aconteça.
Einstein dizia que quanto mais a gente se diverte, mais rápido o ano parece passar. Tomara que 2012 passe voando!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ensaio Sobre Ele

Quando se trabalha em uma biblioteca, aprende-se a cochichar tudo. Em meus primeiros meses de trabalho, imaginei que aos longos dos anos ia-se perdendo a voz aos poucos e ao aposentar-nos, a voz teria sumido completamente.
Eu estava guardando livros quando dona Gertrudes cochichou para mim: "mas olha que moço guapo que acabou de entrar". Veja bem, o gosto de dona Gertrudes por homens é duvidoso e varia com a lua, por isso nem me dei o trabalho de olhar. Terminei meu serviço e voltei para o balcão. O tal moço ainda andava por lá escolhendo livros. Dona Gertrudes tinha razão.
O moço guapo era alto, uma tez morena, cabelos negros, uma tatuagem no braço direito escondida pela camisa xadrez, tinha barba por fazer e olheiras que pareciam velhas amigas dele. Olhei no livro de registro tentando adivinhar qual era o seu nome. Melhor deixar pra lá. O moço guapo não era pra mim.
Aquela talvez tenha sido a tarde em que mais guardei livros. Devo ter posto em dia o serviço atrasado de 4 meses.
Ocupo-me ao máximo para não fixar minha atenção em desconhecidos que me fascinam. Foi assim que só lembrei do moço guapo quando cheguei em casa.
Os dias correram normalmente e algumas vezes o moço guapo aparecia por lá. Ele tinha um gosto variado na leitura. Havia o tempo intenso de Edgar A. Poe, ou Balzac, ou Octaviano Paz, Chico Buarque, Frederico Garcia Lorca e tantos outros que eu invejava seu tempo livre pra ler todos aqueles livros.
Algumas vezes o prefeito usava o auditório ao lado para coquetéis e erámos sempre convidadas. A primeira pessoa que eu cumprimentava era o garçom. Um bom camarada. E para minha surpresa, o garçom dessa vez era o moço guapo. Não o reconheci, então comecei minha conversa de praxe:
- Oi, amigo. Vai uma ajuda aí?
Ele sorriu e disse:
- Além de bibliotecária, fazes bico de garçonete?
Quase solto o codinome que eu e Gertrudes usavamos pra falar dele na hora do almoço. Pensei em mil planos de fuga, tive plena certeza que estava parecendo um pimentão vermelho e minhas mãos começaram a suar. Quando dei por mim ele estava estentendo um avental pra mim.
Se existir uma Sociedade das Garçonetes Unidas, com certeza elas irão odiar até a minha vigésima geração. Devo ter sido a pior garçonete de todos os tempos.
Mas nada disso importa, porque, no fim da noite, ele me deu uma flor - um cravo - e um beijo na testa, e aquilo valeu por tudo. O moço guapo tinha um perfume que o deixava simplesmente irresistível.
Ele continuou voltando, de tempos em tempos, e os dias continuaram correndo, mas, dessa vez, muito mais devagar. Eu passei a me arrumar como uma dondoca, na intenção de que ele me notasse.
E, como quem espera, sempre alcança, ele encostou no balcão para levar um Octaviano Paz para casa, e disse que eu estava muito bonita. Essas palavras foram seguidas de um silêncio incômodo, em que ele aproveitou para me notar mais um pouco. E eu corei. Ele sorriu e foi embora.
O tempo passava, assim, ele me notava de vez em quando, levava uns livros, trazia outros, doava alguns. Tudo em relação a ele era meio abstrato - menos seus músculos.
Um dia, em vez dos escritores que costumava levar, veio dizer que ia levar um Caio Fernando Abreu. E que, a propósito, eu estava especialmente linda. Estonteante. Corei instantaneamente. Anotei o livro e ele foi embora. Naquele mesmo dia, eu resolvi chegar mais tarde em casa e passar numa cafeteria, antes, para tomar um expresso.
Reclusa, com um livro na mão, eu me esquecia do resto do mundo. E nada mais existia. Como diria Clarice Lispector, eu não era mais uma menina com um livro, e sim, uma mulher com seu amante. Nem percebi quando a cadeira branca ao meu lado foi puxada e o moço guapo se sentou. Ao meu lado. E, de novo, eu estava parecendo um pimentão vermelho e minhas mãos suavam, enquanto eu procurava, na minha mente, desculpas para levantar e ir embora.
- Não precisa ficar com vergonha, eu só quero compartilhar o momento do café.
Eu sorri e a conversa fluiu por causa da segurança que ele me passou. Olhava nos meus olhos. E, no final, fui proibida de pagar a conta. E ele pediu para me levar em casa. Andamos juntos, e, quando parei e disse "é aqui", ele ficou perplexo.
- Você mora aqui?
- Moro.. Por que?
- É que.. Eu moro aqui também!
- Ótimo, subimos juntos - A essa altura, eu estava completamente relaxada e sem medo de arriscar umas indiretas - A propósito, como é o seu nome?
E, antes de me beijar, ele parafraseou Caio Fernando:
- Meu nome é Lucas Lourenço. Moro no segundo andar, mas nunca encontrei você na escada..

Essa é uma crônica compartilhada com a Ágda Santos. Ela escreve até a parte que tem o símbolo e o final é meu.



Texto Sem Título

esse é um texto sem título sem forma sem cor sem opinião porque
nem tudo na vida precisa ser sobre alguma coisa né
tem coisas que podem simplesmente ser abstratas e não incomodar
ninguém
é um texto que não muda nada na vida de quem ler
e nem de quem escreve ele só está
aqui porque a autora tem prazer em escrever ele não é dividido em parágrafos
e nem pontuado e ainda assim é
um texto porque ser um texto não quer dizer que
precisa ter métrica perfeita e nem dizer alguma
coisa um texto é só um amontoado de palavras em algum idioma e se você entende
é válido e pronto

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Diferença


Ela havia bebido demais. Eu a coloquei em meu carro e fomos, juntos, em direção à casa onde nos instalaríamos pelo próximo período indeterminado de tempo. Entrei com o carro na garagem, para que nenhum vizinho me visse puxando uma garota desacordada para dentro. Descemos as escadas e eu a coloquei no colchão onde ela ficaria. Fechei a porta e coloquei o armário na frente, para que, se houvesse visitas, eu não fosse descoberto. No dia seguinte, eu a alimentei com cenouras e maçãs. Eu só queria ter uma boneca. Achei que ela ia chorar, desconsolada. Deve ter chorado, mas não me deixava ver. Ela me pediu um lápis e uma borracha, e, um dia depois, havia desenhado o quarto inteiro. Desenhava pessoas em cenas mórbidas, frias, desconsoladas. Demônios e situações desesperadoras. Um dia, resolveu gritar, mas ninguém a escutava. O quarto era à prova de som. Tentava sair, mas o armário que ficava na frente da porta continha centenas de livros. Ela morava numa prisão mental, que eu criara cuidadosamente. Já aceitara que, se saísse, coisas terríveis aconteceriam. Aceitara que, de qualquer modo, não conseguiria sair. E só se prende uma presa fisicamente enquanto o psicológico dela está sendo trabalhado. Àquele ponto, eu poderia soltá-la no meio da rua, e ela voltaria para mim. Houve um só dia em que resolvi me deitar ao seu lado, mas ela não me quis. Tentei abraçá-la, aquecê-la, e ela me olhava com rancor. Fez carinho na minha cabeça. Sorriu ironicamente. Cravou alguma coisa no meu abdômen e falou:
- Existe uma diferença entre um homem safado e um homem doente.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Último Vôo

Pra mim, já era quase automático, pegar o pára-quedas, prendê-lo no corpo, subir no avião com meus amigos e ser o penúltimo a pular. Lá em cima, enquanto o avião subia, a gente observava a paisagem e contava segredos uns aos outros, caso aquela fosse a última vez que nos víamos. E os pontinhos coloridos se abriam no céu, nem sempre azul, e, aos poucos, ficavam pequenos e sumiam. Naquele dia, não chovia. Era um lindo dia. Poucas nuvens faziam o estilo de borrões e enchiam o céu de nuances azuis. Eu tomei coragem para me confessar:
- Vou pedir a Laila em casamento!
Era minha namorada há 5 meses. Todos gritaram, em aprovação, e eu me soltei no ar.
E o pára-quedas não abriu.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre um Fim

- Desde que Amanda se foi, eu caí. Estou magro, sem vontade de nada. Sem esperança. No fundo do poço.
- Deixe de se lamentar e vá lavar esse cabelo malcheiroso.
- Mas Amanda não vai me cheirar.
- Você não sente seu próprio cheiro? As moscas sentem.
- Bem que você podia parar de fazer piada.
- Bem que você podia se levantar e comer.
- Amanda fazia as melhores macarronadas do mundo.
- Amanda nunca mais vai fazer macarronada pra você, ouviu? Nunca mais. Por enquanto, você precisa imaginar que ela morreu. Tirar as coisas dela de todos os lugares da casa, concentrar tudo em uma caixa e enfiar em um armário até superar. Aí você encara como um término e joga tudo fora.
- Mas eu não sei como vou superar.
- Mas você sabe que, um dia, vai superar. É melhor do que estar dizendo "não vou conseguir". Você sabe que vai, só não sabe como. E nem se deu conta do que falou.
- Eu sinto falta dela.
- Você sempre vai sentir falta dela.
- Então como vou superar?
- Você pode começar tomando um banho.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Homenagem aos Marinheiros





Por favor, cliquem no player acima para escutar a canção Cisne Branco (o hino dos Marinheiros do Brasil) e aguardem alguns segundos para ler o texto enquanto a escutam. Obrigada!

Passamos meses e meses no mar, sem contato com mais ninguém além da tripulação, e aprendemos a amar todo mundo, desde o piloto até o ajudante de copa. Aprendemos a acreditar em deuses e a fazer orações antes de dormir. Aprendemos a saber que horas são só de olhar para o céu e a fazer previsões do tempo de acordo com as ondas do mar.
Aprendemos história, porque quem não sabe de onde veio não sabe pra onde vai. Somos patriotas por natureza, porque trazemos de criação a missão de defender o mar territorial do Brasil.
Olhar para o mar e ver as fragatas que nos pertencem, pegar os livros escolares de nossos filhos e ver fotos de Dom Pedro II com seu uniforme de almirante. Reconhecer de longe qualquer um de nossos 59600 militares. Ouvir Cisne Branco e sentir aquele orgulho sem tamanho. Sentir-se altivo. Saber que nosso lugar nunca será a areia da praia ou a calçada quente, nem um escritório fechado e nem as copas das árvores, nem nenhum outro, senão o oceano.



Homenagem ao dia do Marinheiro.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Rosas Mordiscadas



Ele tinha a sorte de morar na frente de um campo de rosas vermelhas, e tinha a delicadeza de dedicar, todos os dias, uma parcela do seu tempo a elas. Tomava café-com-leite na varanda ao amanhecer. Sempre fora assim, sozinho, mas nunca solitário, graças à companhia das mil e cinquenta flores.
Certo dia, andando por entre as plantas, percebeu algo diferente nelas. Abaixou-se e analisou. Estavam mordiscadas. Quem era a criatura doentia que morderia rosas? Eram dentes humanos, perfeitamente enfileirados. A partir de então, ele passou a fazer a mesma análise, sempre, e, cada vez que o fazia, encontrava mais uma pétala mordida em cada flor.
Resolveu, então, acordar alguns minutos mais cedo, e, em vez de ir tomar café na varanda, simplesmente se esconder e observar.
E foi tempo suficiente para ver a criatura fantasmagórica, toda vestida de branco, andando e mordendo pétala por pétala, uma de cada flor, parecendo dançar, sem nunca esbarrar ou pisar em nenhuma delas. Estranhamente, fazia-o com carinho, de um jeito quase mecânico, como se, em vez de ver as rosas, rastreasse-as.
Ele estava sem fôlego com o que via. Nunca imaginara uma cena tão surreal. Pegou uma rosa em suas mãos e a segurou, como se a oferecesse para a criatura, e esperou que ela mordiscasse cada uma das outras até chegar à última.
Os lábios gelados dela tocaram as mãos quentes e trêmulas dele, e os dois deram um pequeno pulo para trás. Ela levantou a cabeça e o sol nascente permitiu que ele visse seu semblante: humano, mas não vivaz. Ela tinha cabelos da cor das rosas e usava um vestido rendado, branco e longo. Seus olhos eram claros, mas por causa da cegueira. Ela realmente não enxergava as rosas. Como numa obsessão, mordeu rapidamente a rosa da mão do homem, aterrorizado. E correu, dançando, até desaparecer.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ponto de Vista de um Galeroso

Todo mundo faz parte de algum grupinho na escola. O meu, as pessoas gostam de chamar de "galera". Eles dizem que a gente é violento e propenso a se tornar marginal quando crescer. Tem gente ali que acha que eu sou um animal. E as pessoas colocam nos jornais e na televisão as coisas horríveis que galerosos, como nós, fazemos, e acham que estamos errados, que a vida não precisa ser daquele jeito e que não é porque moramos na periferia da cidade que podemos quebrar a escola, andar com terçado dentro da meia e forçar as meninas a ficarem com a gente. Agora, eu acho que tenho direito de expor meu ponto de vista, porque não parece, mas também sou gente.
Alguém aí já viu galera no Paraviana? No River Park? Não tem, né? Tem, no máximo, aqueles adolescentes que saem de mountain bike por aí pra roubar as pessoas, armados com faca de cozinha da Tramontina. Isso acontece porque nesses bairros, pelo menos 90% das crianças tem um iPad em casa, e pelo menos 70% dos pais dessas crianças ganham mais de 5 mil reais por mês. Esse dinheiro dava pra comprar comida pro pessoal do meu bairro inteiro, por bastante tempo. Minha mãe nem sabe o que é um iPad.
Esses dias, o pessoal da minha escola chamou a polícia pra impedir eu e meu grupo de quebrar os vidros e dar umas facadas numas professoras que iam reprovar a gente. Tem exagero maior? Querer que eu estude e passe de ano, como se já não fosse o suficiente eu ter que ir pra escola porque, segundo a lei, lugar de criança é na escola. Querer que eu estude e dê o melhor de mim sendo que o pessoal do Paraviana só enfia a mão no bolso, tira alguns milhares de reais e já tá na faculdade com um 10 garantido na monografia. Querer que eu queira dar o melhor de mim? Gente que nunca chegou ao ensino médio, como o Lula, tem os mais altos cargos do país, mora nos melhores bairros, come a melhor comida e tem tudo o que é mais caro que a vida tem a oferecer, além do apoio do governo, e, minha mãe, por exemplo, passou a vida dando duro em escola pública, tá aí, limpando a bunda dos filhos dos riquinhos. Ela teve que abrir mão da faculdade porque não ia dar tempo de sustentar a família e estudar.
Tem gente por aí que ganha milhões de reais pra sorrir pra uma câmera e mostrar as pernas durante 30 segundos, e minha mãe ganha um salário mínimo por mês. Essas pessoas fazem pilates, têm personal trainer, moram em prédios chiques e jantam sushi, andam de helicóptero e passam os fins de semana no spa. E eu duvido que elas tenham faculdade. O que elas têm é dinheiro. Dinheiro não compra felicidade, mas compra uma boa parte dela. Felicidade não é só amor - isso é o que o dinheiro não compra -, é saúde, bons médicos, comida garantida na mesa, boas escolas e sete reais pra ir ao cinema de vez em quando. Cinco mil reais por mês dá pra ir ao cinema 667 vezes.
E aí, quando a polícia foi lá impedir a gente de quebrar a escola, quem era que estava praticando justiça? A gente ou a polícia?

Amor de uma noite

Sabe quando tem um cara e você sempre teve uma queda inexplicável por ele? Pois é, eu tinha uma dessas pelo Iago. Não era inexplicável, na verdade; a explicação era bem simples: ele era lindo, educado, inteligente, me entendia e fazia o tipo safadinho e pegador que toda menina acha sexy.
Naquela noite de novembro, eu estava em uma festa de aniversário, e, como sempre, estávamos trocando mensagens. De repente, ele me chamou pra dar uma volta de carro. Eu e o Iago sozinhos em um carro. Claro e óbvio que não seria só uma volta. Aceitei imediatamente.
E quando a porta do carro se abriu, minha noite começou de verdade. Ele me olhava bem fundo nos olhos, nunca vou esquecer. Tinha um olhar confiante e sabia exatamente o que estava fazendo. Me envolveu com muita facilidade. Naquele momento, eu senti amor. Eu o amei profundamente, e me senti amada de volta. As mãos dele percorriam suavemente o meu corpo. O tempo passou rápido demais, e poucos minutos depois, eu estava de volta à festa. Claro que a primeira coisa que eu fiz quando saí do carro, totalmente balançada e trêmula, foi contar pra algumas amigas.
E dormi com o cheiro dele no corpo.
Todo o tempo que passou depois disso foi infinito. Todas as noites, trocando mensagens com ele, eu esperava por aquela que seria um convite a entrar no carro dele de novo. Todas as noites, eu revivia aquele amor que durou apenas uma noite.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ossos do Ofício

Ouviu os tiros, não reconheceu a direção da qual vinham, mas protegeu-se atrás do primeiro carro que viu e pegou seu revólver. Aquilo era sinal de guerra. Ainda bem que ele estava de colete salva-vidas. Detectou que o movimento vinha da sua frente, à direita, e, ao primeiro sinal de perigo, apertou rudemente o gatilho, quebrando vidros e acionando alarmes dos carros que estavam na rua. Agora precisava correr, porque já deixara-se descobrir.
Foi para trás do próximo carro e se abaixou, procurando a menininha sequestrada. Sua respiração estava descompassada e ele havia recebido uma descarga de adrenalina. Enquanto concentrava-se em encontrar a vítima, percebeu que levaria um tiro e tentou se esquivar, mas a bala passou de raspão e levou um pedacinho de seu sobretudo bege. A cada tiro que dava, ele trocava de lugar, cada vez chegando mais para a frente e mais para a esquerda. Até o momento em que viu o sequestrador, ao seu lado, porém longe, procurando- o e olhando para a frente. A sorte é que ele estava de lado.
Enquanto analisava onde daria o próximo tiro, ele aproximava-se silenciosamente, como um leão prestes a atacar uma presa, sempre se escondendo atrás de carros.
E o sequestrador deparou-se com um revólver .38 encostado em seu pescoço, e palavras seguras e rudes ordenando-lhe que colocasse a arma no chão. Ia tentar reagir, mas simplesmente não valia a pena ir contra Mário Fontes. Retirou-se e deixou-se levar pelos policiais.
A esposa de Mário sempre reclamava dos perigos da profissão que ele escolhera, mas ele sabia que a recompensa viria a seguir: do fundo de seus olhos verdes, a menina de seis anos agradeceu ao detetive por ter salvo sua vida e lhe deu um abraço. Não havia sensação mais gratificante. Era para isso que Mário vivia, ele tinha certeza. E os tiros que eventualmente levaria.. Eram ossos do ofício.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Misteriosa - Parte III (Valquíria)



Por favor, cliquem no player acima para escutar a canção Die Walküre e aguardem alguns segundos para ler o texto enquanto a escutam. Obrigada!


"Os lucros do Teatro Dourado diminuíram em quase 200% desde a saída de Misteriosa" era a manchete do jornal daquele dia. Ela nunca mais aparecera, de fato, e o teatro estava acinzentado. Sobravam lugares. Todos descontaram em mim, não sei por que motivo, mas eu já havia superado aquela fase. Misteriosa parecia ter aparecido como um fantasma, e fora embora tão repentinamente quanto havia chegado, e, enquanto todas as outras pessoas sofriam pela decadência do teatro, eu já aceitara o fato de que ela não voltaria.
Era uma noite de lua minguante e eu resolvi ir a um novo bar. Sentei-me no balcão e pedi uma vodca.
E quando me dei conta, já estava nos braços de alguém. Era embriagante, perfumada, confortável. Tinha uma voz baixa e rouca, e cabelos macios e escuros. Usava roupas claras, leves e folgadas, de modo que escondia os contornos do próprio corpo. Não me lembro como conheci Valquíria, mas a amei no instante em que a vi. E tornei-a minha quando vi o céu inteiro em seus olhos. Fomos para a casa dela, juntos. Um lugar minúsculo, aconchegante, arrumado. Cama de solteiro, lençóis vermelhos, parede branca, abajur alaranjado. Cortinas vermelhas. Armário e piso de madeira marrom. Tapete redondo, laranja, desbotado. Ela me empurrou até a cama, que pareceu incrivelmente grande. Era tão intensa. Deixei-me levar.
E estávamos abraçados, assistindo o sol nascer, lilás, púrpura e alaranjado. Ela cantava intensamente em meu ouvido uma música chamada "Die Walküre", enquanto tamborilava as unhas vermelhas na mesa de cabeceira.
Quando levantei-me para ir embora, ela disse que guardara minhas roupas no armário. Quando o abri, vi uma única peça de roupa: uma capa preta. E a última coisa da qual me lembro são as palavras dela:
- Sabe o que significa "Valquíria"?
- Não.
- "Aquela que escolhe os que vão morrer".

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Misteriosa - Parte II


Ela foi apelidada de Misteriosa, depois daquela noite. E ganhou mais fama, também; além de todos os lugares ocupados, como de costume, o teatro dourado agora tinha multidões à porta, querendo, a todo custo, ver, mais uma vez, a máscara. Mas nunca mais aquilo se repetiu. Misteriosa entrava, se apresentava e saía. E a multidão continuava batendo palmas para o palco vazio, dia após dia.
Em outra dessas noites, ela entrou e entoou uma nova canção. Não era o que estava no setlist, não era o combinado, mas todos ficaram boquiabertos. As portas, lá fora, se abriram, e a multidão entrou e assistiu em pé. A música chamava-se Canção da Despedida, lembrei-me depois. Era uma melodia dolorida, intensa, cheia de pesar. Ela caminhava pelo palco, enquanto cantava, amargamente, e as pessoas choravam. Ouvia-se a música e os soluços.
O fato curioso foi que aquela apresentação durou até o dia amanhecer, ininterruptamente. E, no fim, Misteriosa ficou parada no palco, sentindo as palmas. Esperou-se que ela mostrasse a máscara de novo, mas nada aconteceu. Quando o barulho cessou, ela foi embora. E passou direto, em vez de ir para o camarim, ou para qualquer outro lugar, ela dirigiu-se à saída.
E o teatro silenciou-se durante as 47 noites que se seguiram.

Misteriosa - Parte I



Ela usava uma capa preta, comprida, que ia até o chão e cobria seu corpo todo. Escondia seus contornos. O capuz estava sempre sobre a cabeça abaixada. O teatro dourado vinha abaixo com as óperas que ela cantava. Sempre com a capa, sempre com contornos abstratos, sempre misteriosa. Ela o fez durante anos, e nunca, eu repito, nunca, houve um lugar vazio, sequer, no enorme auditório. E nunca houve uma pessoa, homem ou mulher, que deixasse de derramar lágrimas com a voz que parecia penetrar as almas de todos. Ao final de cada apresentação, em vez de se curvar, ela ia embora. E as pessoas batiam palmas para um palco vazio.
Em uma dessas noites, com o auditório lotado, em um dos breves momentos de silêncio entre as notas, alguém lhe pediu que levantasse a cabeça e tirasse o capuz; ela continuou cantando, como se não houvessem dito nada. E as pessoas choraram, e ela levantava os braços, andava pelo palco, mas ninguém nunca vira nem sequer a cor de sua pele. A surpresa de todos foi quando, ao final da performance, em vez de ir embora, ela se curvou. E, ao levantar, puxou o capuz para que a platéia pudesse ver, de relance, seu rosto.
Alguns levantaram e foram embora, outros levantaram e aplaudiram, mas não sobrou ninguém que estivesse sentado. Todos estavam perplexos com a máscara de porcelana branca da artista e com as mãos, exatamente da cor da máscara, que contrastavam com a capa preta. Era incrível como ela parecia estar perfeitamente preparada para ser misteriosa com ou sem capuz. Às vezes, o mistério é a natureza das pessoas.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Felipe

Eu nunca tinha conhecido ninguém tão pegador quanto aquele cara, o Felipe. Toda vez que a gente se falava, ele tava com uma namorada diferente. Uma pra cada fim-de-semana, uma pra cada festa que ele ia, uma pra cada signo do zodíaco, uma pra cada ano da sua vida, e, logo, logo, uma pra cada letra do alfabeto. Da Ana Luísa à Zaíne. E ele só tinha 21 anos. Eu nunca o havia visto verdadeiramente apaixonado. Eram casos, e mais casos, e mais casos, e eu me perguntava como era possível que uma pessoa pudesse não se cansar dessa vida tão errante. Mas, enfim, por obra do destino, ou sei lá, um dia ele encontrou uma garota que não se permitiu ser jogada na parede instantaneamente. Numa festa (risos irônicos). Deve ter sido a primeira vez que ele sentiu o chão tremer e as estrelas brilharem, finalmente. Sabe o que é ainda mais irônico? O nome dela começa com a primeira letra do alfabeto.



Dedicado ao meu heartbrother, Felipe Cruz, e à namorada dele, Amanda Dantas.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sobre Relacionamentos

O único momento em que devemos esperar um homem é o primeiro. Logo após a troca de olhares. Você tá a fim? Legal, se ele tiver, ele que venha. Senão, não era pra ser e pronto. E se ele veio, ótimo. Só se deve esperar que ele faça isso e observar o comportamento se ele vier, porque é o único jeito de levar pra frente. Não precisa esperar pra mandar a primeira mensagem, nem pra adicionar em todas as redes sociais, nem pra ligar, nem nada. Se a gente se colocar no lugar deles, sempre vamos saber o que eles querem. Homem é assim, que nem massinha de modelar, no começo, mas depois endurece. Por isso que é ele que tem que vir, porque nós somos damas e não vamos ficar atrás de alguém cujo único interesse pode ser pegar na nossa bunda. Se você ligar quinhentas vezes por dia no começo, ele pode até gostar, mas, quando você cansar, ele não vai entender. Temos que modelar nossos próprios homens. E se eles forem malcriados, temos que cortar o mal pela raiz. Qualquer sinal de violência verbal ou física requer abandono imediato, que fique claro. E sem volta. Se ele fez uma vez, pode pedir desculpas, prometer que não faz de novo e tal, mas faz, sim. E com a gente, a mesma coisa. Mulher não pode ser violenta. Pode ser, no máximo, persuasiva. Antes de fazer qualquer coisa pra eles, a gente tem que se perguntar: "eu gostaria se ele fizesse isso comigo?" e pronto.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ideais de Felicidade

Amanhecer chuvoso. Sol repentino e alaranjado. Levantar na hora. Banho morno. Café com leite e pão francês. Conversar com os amigos. Aprender alguma coisa nova. Perder-se em devaneios. Rir até a barriga doer. Dividir balinhas de menta com a turma. Reclamar por ter que escrever muito. Almoçar. Sobremesa. Rever os amigos. Voltar a estudar. Sensação de dever cumprido ao ouvir o professor dizer "parabéns". Ficar de bobeira. Sorvete. Fofoca! Banho frio. Jantar. Sobremesa. Cama quentinha e abraço reconfortante. Enxurrada de beijos. Sorriso estonteante. Fechar de olhos.

domingo, 13 de novembro de 2011

Sobre Você

Eu demorei muito pra conseguir apagar suas fotos das minhas redes sociais e do celular. As mensagens, ainda não apaguei. Um dia desses, um amigo meu me perguntou se eu ainda gostava de você, por causa disso. Claro que gosto, sempre gostarei. Fomos, durante quase três anos, tão unidos, que seria extremamente insensível da minha parte agir como se nada nunca houvesse existido. E, além do mais, é super normal ter saudade dos bons momentos que passei com você às vezes. As suas mensagens que eu guardei têm papel fundamental nesses momentos: quando as leio, sinto um nojo profundo de você e me lembro exatamente do motivo de eu nunca, jamais, querer você de volta.
Sabe o que mais eu não joguei fora? Aquela caixa em que eu guardava seu perfume, suas camisetas e as etiquetas e laços de todos os presentes e flores que você me deu. Até aquele meio-coração de ouro está lá. Aí eu cheiro seu perfume e não posso negar que é muito bom. Só não me apetece mais. Hoje em dia, tem outro cheiro muito mais interessante que o seu.
Eu te desejo todo o melhor e nunca tive a oportunidade de dizer como me senti frustrada quando você me dispensou por telefone. Você fez coisas que nunca devem ser pronunciadas e, por isso, eu não te quero nunca mais. Nunca, nunca mais. Só que você me ensinou muita coisa também, e eu preciso agradecer. Obrigada por fazer meu próximo relacionamento dar certo (risada maligna). Ah, e boa sorte no seu próximo relacionamento, também... Se alguém aguentar seus atos impronunciáveis.

sábado, 12 de novembro de 2011

Fim de Semana

Os olhos estavam meio grudados do rímel que não tinha sido tirado, e o cabelo estava enrolado no corpo. O vestido estava torto e os sapatos tinham ficado em algum lugar entre o bar e seu paradeiro atual - o banheiro. Ela cheirava a perfume masculino. Seu estômago reclamava dos exageros da noite passada. Olhou no relógio. Eram 21h. Ela tinha dormido durante doze horas seguidas? Possivelmente. Levantou, tomou banho, fez chapinha, refez a maquiagem, escolheu um outro vestido, outros sapatos e um novo bar. O fim de semana tinha começado.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

À minha Bisavó Paterna

Maria Erny Simões Rosa nasceu em 1 de junho de 1927, no Rio Grande do Sul. Perdeu o pai ainda bebê. Cresceu, casou e teve uma filha, Vera Maria. Quando as duas estavam adultas, resolveram deixar os maridos e migrar para Roraima com os dois filhos de Vera: George e Analu. Chegaram em 1977. Vera escolhera Roraima por causa de sua profissão - assistente social - que ainda não tinha representantes no estado. Aliás, naquela época, só os cajueiros tinham representantes por aqui.
Em 1979, Vera faleceu, devido a um grave acidente entre uma moto, na qual ela estava de carona, e um caminhão. Isso deixou Maria sozinha com os dois netos para criar. Ela abriu uma escola, Nosso Lar - em homenagem à obra de Chico Xavier -, que veio a ser a primeira escola particular do estado de Roraima. George fez parte do Complexo A, o primeiro grupo de dança do estado, e foi o primeiro a realizar uma conexão de internet em Roraima. No começo dos anos 2000, Maria lutou contra o câncer, e se recuperou. Era uma mulher muito forte. Ela fechou sua escola em maio de 2008 e veio a falecer dia 10 de novembro do mesmo ano. Deixou dois netos e três bisnetas.
Uma delas sou eu.
Esse post é dedicado à minha bisavó paterna, Maria Erny Simões Rosa, de quem não herdei o nome, apenas o sangue. Tenho orgulho de ter sido alfabetizada por ela e da história que ela deixou para trás. Hoje faz 2 anos que ela me deixou e a dor é a mesma do dia em que acordei e soube que não a tinha mais disponível para abraços. Nunca pude me despedir, talvez tenha sido isso. Ela tinha um nariz arrebitado, bem gaúcho, como papai, e cabelos grisalhos e enrolados. Suas unhas eram compridas e estavam sempre pintadas. Ela adorava palavras-cruzadas. Tinha uma bíblia que eu não conseguia carregar e uma geladeira sempre cheia de doces para mim. Não dizia 'tchau' antes de desligar o telefone. Não gostava de gatos. Dizia que o assovio do meu pai era igual ao do falecido irmão. Lembro que ela tinha, no corredor, várias homenagens de pessoas importantes que alfabetizou. Lembro da enorme árvore na parede da escola cujas folhas traziam escritos os nomes de cada aluno. Não me lembro de quanto tempo faltava para sua morte quando a abracei pela última vez, mas eu me lembro que, quando nossos corpos se tocaram, ela sussurrou que nos abraçássemos sempre por longos períodos de tempo, caso não houvesse um próximo abraço. Sábia vovó. Nunca tive a oportunidade de te dizer a falta que você faria.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Reflexões Religiosas

Estava me lembrando de uma conversa que tive com alguém muito sábio, um dia desses, sobre religião e crenças; essa pessoa não sabia em que acreditar, e foi uma das poucas vezes em que eu entendi perfeitamente o que alguém quer dizer. A discussão acabou, mas eu continuei refletindo, e acabei descobrindo que também não faço idéia de qual seja minha crença.
Só depois me ocorreu que a gente não precisa acreditar em nada imaterial. Quer dizer, eu defendo até a morte a teoria de que haja algo maior que a humanidade, algo superior, mas não sei se é Jesus Cristo, Buda, Alá ou aqueles milhões de deuses gregos e romanos. É que talvez todos eles sejam de verdade, mas talvez todos sejam de mentira, sabe? Isso dá um nó sem tamanho na minha cabeça.
Não importa a religião que se segue, nem o(s) deus(es) em que se acredita. O que importa é que tudo tem a mesma essência: não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você. Pronto, tá aí o segredo da evolução. É essa a filosofia da minha vida, e eu acho que ela é muito boa. Se colocar no lugar dos outros. Se todo mundo fizesse isso, as pessoas iam se entender muito melhor.
Um dia desses, eu estava dizendo, no Twitter, que não adianta crer fervorosamente em um deus e orar todos os dias se você não colocar essas coisas do coração em prática. Não sei vocês, mas, eu, quando vejo gente necessitada, sinto uma vontade enorme de ajudar. Quer dizer, não adianta obedecer todas as regras de uma religião (tipo aquela religião que não deixa você adorar imagens de santos, não vou citar nomes porque sou leiga nesse assunto, mesmo) e pedir ao seu deus que os necessitados tenham as necessidades supridas se você joga suas sobras fora; é melhor não pedir nada às divindades e ir ali no abrigo, passar um tempo com quem precisa e levar umas roupas usadas, um pouco de comida, um pouco de carinho; e sendo assim, o que move o mundo não é a fé, e sim o altruísmo.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Coisa Mais Horrível Que eu Já Vi

"...A coisa mais horrível que eu já vi aconteceu dentro da minha própria casa. A gente gosta de brincar de passar o dedo de leve no fogo e tal, mas mal percebe como ele pode ser perigoso. Enfim, foi no tempo em que os botijões de gás ficavam do lado do fogão, com aquelas mangueirinhas. Só a transparente era certificada pelo Inmetro, e a lá de casa era azul. A mamãe tava fazendo feijoada. Minha vó tava do lado. Ah, minha vó tinha uma mão de fada pra cozinha, tudo que ela botava a mão ficava bom. Aquela feijoada ia ficar ótima. Quando a gente morava no Rio tinha aquelas feijoadas com o porco defumado.. Sim, aí ela não tinha percebido que a nossa mangueirinha azul tava com um furo - na verdade, um buraco. O fogo não acendia. Ela teve a "brilhante" idéia de acender um fósforo. Sem brincadeira, eu vi uma bola azul enorme se formar e jogar minha mãe a minha vó pra fora da cozinha. Nunca gritei tanto. E olha que a casa era grande. Mamãe só não ficou cega porque ela botou o braço na frente do rosto. Foi horrível! Lá se foram, as duas, pro HGR. Era só o que tinha aqui, naquela época. A minha mãe contou isso pra vocês na sala de aula, Bianca? Lavavam ela e a vovó com escovinha todos os dias. Era horrível. Mas ela não tem uma cicatriz, sequer. A vovó também não tinha. Não passa o dedo no fogo, não, filha."

História real.

Um anula o outro

Era uma vez dois presidiários, colegas de quarto; um, Selva, era forte, troncudo, carrancudo e mal-encarado. O outro, Piu, era fraco, mirradinho, magrinho e se submetia a todos os caprichos dos outros - todo mundo sabe que homem fraco não tem vez. Apesar de tudo, o segundo era muito inteligente.
Um dia, os dois estavam conversando e este mencionou que ganharia liberdade condicional. Logo, a notícia se espalhou. Piu foi trabalhar. Quando voltou, encontrou Lino - o cleptomaníaco - roubando todas as suas latas de comida.
- Devolva-me minha comida.
- Não.
- Vou chamar o carcereiro.
- Aposto que você não gostaria de levar quarenta facadas durante seu próximo banho.
Piu conformou-se e deixou que Lino fosse embora e levasse toda a sua comida. Logo depois, ele recebeu uma visita de Zolô, o mais forte da cadeia.
- Você vai embora?
- Vou.
- Quero seu rádio e seus cds. Deixe tudo em cima da minha cama daqui a dez minutos - ele disse, empurrando o homem fraco no chão.
Piu deixou as encomendas na cama... de Lino. No fim do dia, Zolô voltou.
- Cadê as porras que eu mandei você me entregar, maluco?
- Eu entreguei.. Mas Lino me seguiu e pegou tudo. Ele disse que podia lidar com você.
- Como foi que ele disse?
- "Ah, o Zolô? É muito fácil lidar com gente sem cérebro."
Selva perguntou a Piu por que ele tinha feito aquilo.
- Se eu tinha dois problemas com os quais não consegui lidar, não é muito mais fácil que um anule o outro?

domingo, 23 de outubro de 2011

Eu te Amo



- Sabe de uma coisa?
- Não.
- Eu te amo - Ele falou devagar, com clareza, como se estivesse lendo ou houvesse ensaiado antes. A espontaneidade foi óbvia, tanto quanto o brilho no olhar. Houve um momento de silêncio. Ela olhou para baixo, incrédula. Fechou os olhos. Houve um clarão, um sentimento de serenidade e vitória. Ela riu. Não conseguia dizer nada, mas riu, feliz, como havia muito tempo não fazia. Seu coração batia tão forte e as palavras, todas, sumiram da sua cabeça com tanta rapidez que chegava a ser levemente desesperador. Ela o abraçou intensamente, ainda rindo e transbordando de felicidade. Acariciou-o de leve, fitou-o ternamente e, finalmente, conseguiu falar.
- Eu te amo também.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Totalmente

Eu a chamara para sair de novo - estava com tanta vontade de vê-la de novo! Pedi a Victória que a chamasse e ela foi; eram vizinhas, além de xarás. Só eu sei a ansiedade que senti, ficaria até um pouco sem jeito em expressá-la para meus amigos, eles me chamariam de gay. O telefone tocou, era Victória.
- Alô - eu falei, com a voz que dedicava a ela.
- Breno? É a Vitória. Vitória, Vitória.
- Ah - era ela. Suspirei um pouco quando reconheci a voz e suavizei o tom - oi..
- Então, eu não sei se vou.. Saí de casa, quando voltei meu pai não estava aqui e, enfim, já faz meia hora que estou esperando!
- Não tem problema, não.
E ela disse 'falou, falou' e desligou.
Tentei não criar expectativas, mas falhei e imaginei como seria abraçá-la de novo. Depois de tudo que passara antes que a encontrasse, eu mereciao jeito que ela me tratava. Merecia um recomeço tão bom.
Sentei-me, sozinho, no restaurante, e tomei um suco de pêssego. Foi quando senti as mãos geladas tampando meus olhos e ouvi o riso divertido, baixinho. Puxei as mãos e sorri para ela. Nos cumprimentamos e ela sentou. Estava linda. Nos beijamos. Lá pelas tantas, eu iniciei uma conversa.
- Tem alguma coisa que eu tenho vontade de te dizer há algum tempo.
- O quê? - ela retesou-se, nervosa.
- Existe uma... Possibilidade... Não tão remota.. De que eu esteja.. Bem apaixonado por você.
Ela fez silêncio. Eu fiquei sério.
- Existe 100% de chance de eu estar totalmente apaixonada por você. Totalmente.
- Totalmente?
- Totalmente! Até mais que isso!
- Ainda bem. Eu sinto a mesma coisa. Estava com medo da sua reação. Estou totalmente apaixonado por você também.
- "Totalmente?"
- "Totalmente! Até mais que isso!"

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Belos e Malditos



Por favor, cliquem no player acima para escutar a canção Belos e Malditos e aguardem alguns segundos para ler o texto enquanto a escutam. Obrigada!

Eram lindos, como anjos. Tinham feições diferentes de todas as outras, eram elegantes, perfumados. Todos os aspectos daqueles quatro homens que, durante o dia, trabalhavam em escritórios e usavam ternos e sorrisos amigáveis, atraíam as pessoas. As mulheres bradavam-nos belos, e os homens, malditos.
Quando a noite chegava - não a noite que vinha logo depois do entardecer, e sim a que vinha antes da madrugada - eles sentavam-se nas cadeiras do bar Vinho Tinto e tomavam bebidas azuis. As mulheres logo se aproximavam, e eles sorriam, estendiam os braços, e as conquistavam; sumiam sempre antes do amanhecer. Eles eram acostumados a ouvir palavras de amor, sentir carinhos e receber olhares apaixonados - sabiam fazer isso sem sentir nada além do prazer de iludi-las.
De jeito nenhum, aparentavam ser tão multifacetados. Distribuíam toques suaves, beijos doces e olhares angelicais. Ao entrarem no bar, sem os ternos e as gravatas e com as camisas sociais cuidadosamente desarrumadas, ouviam as pessoas sussurrarem, os homens bufarem e as mulheres suspirarem. Eram anjos demoníacos, o lado escuro do paraíso, belos e malditos.

Inspirado na música homônima da banda Capital Inicial.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Lembrança

- Nossa, Clara, você não vai acreditar!
- Bom dia, amiga. Conta. O que aconteceu?
- Fomos ao shopping, sábado. Foi aniversário dele. Sentamos um ao lado do outro, eu tava nervosa, inquieta, sem jeito. Sempre fico assim perto dele. Daí ele pegou minha mão e me deu um beijo todo confiante! Eu disse no ouvido dele que isso ajudava um pouco, e ele sorriu. Passamos a noite conversando e ele me abraçou muito. Fazia tanto tempo que eu não sentia aquele frio na barriga! Bom dia, Letícia. Senta aí. Tava dizendo que fui ao shopping, no sábado...
- A professora chegou.
- Eu falo por bilhetinho.
- Tá.
- "Então, daí a gente tava se beijando e tocou aquela música super brega: 'nem o perfume de todas as rosas é igual à doce presença do teu amor...' e ele e eu começamos a cantar junto, foi muito lindo! P.S.: Clara, conta pra Letícia o que eu tinha te contado antes, por favor. "
- "Amiga, que partidão, hein?"
Contei detalhes de uma noite inimaginavelmente maravilhosa, encantadora, mágica e que vai entrar pra história das noites mais loucas e inesquecíveis da minha vida pras minhas amigas, e elas me dizem que o cara é um partidão. Se ele não o fosse, eu não estaria com ele. Elas não entendem porque não estavam lá. Só eu vou lembrar pra sempre de todos os detalhes com uma clareza enorme. Nem me importava se elas tavam prestando atenção ou não, eu só queria falar dele. Escrever o nome dele no meu caderno e encher de coraçõezinhos em volta, como se eu tivesse 12 anos. Repetir mil vezes o que aconteceu e ficar estremecendo quando lembro. Só queria fazer isso e não tava nem aí se o mundo tava prestando atenção ou não. Só queria me manter o mais agarrada possível à lembrança.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Sobre Humanidade


Sou o Sargento John Gebhardt, e sou superintendente da Vigésima Segunda Ala Médica da Base McConnell da Força Aérea Americana, no Kansas. Em Outubro de 2006, fui chamado para ir à Base Balad, no Iraque. Tenho uma experiência muito extensa, já ocupo meu cargo há alguns anos e, consequentemente, já vi todo tipo de horror que acontece às pessoas. Fui treinado para não me importar com isso, e me acostumei com o tempo, a sujar as mãos de sangue. Mas é absurdamente incrível como você pensa que já viu de tudo, que aguenta tudo, e aí encontra alguma coisa que nunca imaginou.
Eu estava andando com meus soldados, quando avistei algumas pessoas em um pequeno aglomerado ao longe. Aproximei-me, e vi uma garotinha no chão. Informaram-me que ela e sua família foram atacados, e assassinados a sangue frio, e a garotinha fora baleada várias vezes na cabeça e não morrera. 'Isso é que é a mão de Deus', pensei. Quando se faz o que eu faço, é preciso acreditar em alguma divindade.
As pessoas estavam assistindo a menina sangrar e esperando que ela morresse. Eu a peguei no colo e mandei alguém buscar ajuda. Ela foi levada para o hospital de Balad, onde eu estava. Passou bem pelas cinco cirurgias que fez, mas estava sempre estável. Nunca progredia. Um dia, eu fui ao seu leito e a peguei no colo. Levei-a para uma cadeira e cochilamos juntos. Fiz isso quatro noites seguidas: eu e ela andávamos pelo hospital o dia inteiro e, à noite, dormíamos, sempre juntos, na mesma cadeira. No quinto dia, eu a coloquei de volta no leito. Fui chamado pela enfermeira, e ela me informou que a garota tinha melhorado e estava quase pronta para ir embora.
Dizem que homem que é homem não chora - eu discordo e digo que homem que é homem chora quando vê o que eu vi. Humanos são humanos e tem vezes que nem todos os remédios e nem todas as cirurgias bastam. Humanos são humanos e sempre precisarão de outros humanos. Para a humanidade inteira, a melhor cura é sempre um abraço.

Feliz Aniversário

O céu estava límpido, o sol estava ardente e o dia estava digno de festa Ouvia-se passos pela casa, uma inquietação, algumas pessoas cantarolavam. Os balões coloridos cobriam o teto e algumas bandejas com docinhos - principalmente brigadeiro - estavam cuidadosamente arrumadas sobre a mesa. Nós tiramos um bolo da geladeira. Abrimos todas as cortinas de todas as janelas para que a luz entrasse e ela coloriu a casa inteira ao ser refletida nos balões. Todos nós ficamos parados alguns instantes, admirando aquela cena. Então, a mãe dele abriu a porta do seu quarto e me deixou entrar. Acordei-o com um beijo.
- Feliz aniversário, bebê.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Entre Augusto e Carolina

Augusto: Pois acredita que em amor possa haver felicidade?
Carolina: Às vezes.
Augusto: Acaso, já tem a senhora amado?
Carolina: Eu?!... e o senhor?!
Augusto: Comecei a amar há poucos dias.
A virgem guardou silêncio e o mancebo, depois de alguns instantes, perguntou
tremendo:
Augusto: E a senhora já amou também?
Novo silêncio; ela pareceu não ouvir, mas suspirou. Ele falou menos baixo:
Augusto: Já ama também?...
Ela abaixou ainda mais os olhos e com voz quase extinta disse:
Carolina: Não sei... talvez...
Augusto: E a quem?
Carolina: Eu não perguntei a quem o senhor amava.
Augusto: Quer que lhe diga?...
Carolina: Eu não pergunto.
Augusto: Posso eu fazê-lo?
Carolina: Não... Não lho impeço.
Augusto: É a senhora.
D. Carolina fez-se cor-de-rosa e só depois de alguns instantes pôde perguntar,
forcejando um sorriso:
Carolina: Por quantos dias?
Augusto: Oh! para sempre!... respondeu Augusto, apertando-lhe vivamente o braço.
Depois ainda continuou:
Augusto: E a senhora não me revela o nome feliz?...
Carolina: Eu não... não posso...
Augusto: Mas por que não pode?
Carolina: Porque não devo.
Augusto: E nunca o dirá?!
Carolina: Talvez um dia.
Augusto: E quando?...
Carolina: Quando estiver certa que ele não me ilude.
Augusto: Então... ele é volúvel?...
Carolina: Ostenta sê-lo...
Augusto: Oh!... pelo céu!... acabe de matar-me!... basta o nome pronunciado bem em segredo, bem no meu ouvido, para que ninguém o possa ouvir, nem a brisa o leve... Pelo céu!...
Carolina: Senhor!...
Augusto: Um só nome que peço!...
Carolina: É impossível... eu não posso!...
Augusto: Se eu perguntasse?...
Carolina: Oh!... não!...
Augusto: Serei eu?...
A vigem tremeu toda e não pôde responder. Augusto lhe perguntou ainda, com fogo e ternura:
Augusto: Serei eu?...
A interessante Moreninha quis falar... Não pôde, mas, sem o pensar, levou o braço do mancebo até ao peito e lhe fez sentir como o seu coração palpitava.
Augusto: Serei eu?... perguntou uma terceira vez Augusto, com requintada ternura. A jovenzinha murmurou uma palavra que pareceu mais um gemido que uma resposta, porém que fez transbordar a glória e entusiasmo na alma do seu amante. Ela tinha dito somente:
Carolina: Talvez.

A Moreninha, Capítulo XXI (Segundo Domingo: Brincando com Bonecas, Parte I) - Joaquim Manoel de Macedo

Destino Final

Eu já não tinha mais medo, receio ou curiosidade. Estava conformada com o destino que julgava ser meu. Andava, decidida, com passos firmes e frios. Aproveitava todos os meus sentidos. Meus pés tocavam com carinho a areia, meu nariz ardia um pouco com o cheiro salgado, meus olhos se aproximavam do enorme despenhadeiro e meus ouvidos percebiam, a cada passo, o fim me chamando. Cheguei ao fim do caminho, entre a areia e o mar, só havia meu corpo. Despi-me, para que alguém, que, no futuro, me procurasse, soubesse onde eu estava. Balancei-me perigosamente, peguei todo o impulso possível e saltei, cheia de malícia.
Eu estava voando, o vendo era gelado e o barulho da velocidade era inconfundível. O dourado de meus cabelos não se misturava bem à paisagem cinzenta. Aproveitei o vento e a queda livre para me mexer um pouco e soltar uma última gargalhada. Por fim, retesei o corpo e fechei os olhos. A água era meu destino final.

Difícil

Luísa e Murilo estavam sentados na calçada, enrolados em sorrisos e conversas cheias de indiretas. O pôr-do-sol era violeta e dava espaço a uma lua cheia e amarela.
Luísa tentou abraçar Murilo, e ele se afastou, brincando. Ela se virou, torceu o nariz e disse que, ah, não queria, mesmo. Ele a deitou em seu colo e beijou seu pescoço.
Da janela, Celso assistia. Esperou os dois irem embora e, quando Luísa estava sozinha, ele a abordou. Falou de sua ex-namorada, e que, na presença de Luísa, a esquecia. Disse que queria vê-la de novo, mas não daquele jeito. Não rapidamente, com comprometimento. Queria que ela estivesse disponível para ele. Colocou seu rosto entre as mãos e encenou uma tentativa de beijo. Ela o empurrou e correu. Por que tudo tinha que ser tão difícil?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Retrospectiva

BEM VINDOS À CENTÉSIMA POSTAGEM DO BLOG!

Estou morta de orgulho. Prometi que, quando chegasse a 100 postagens, ia fazer uma retrospectiva das outras 99 e tal, e aqui estou eu.
O blog começou porque eu tenho, e sempre tive, mania de blog. Até um dia desses, tinha 5 blogs. Estava na casa da Virgínia - toda vez que ia lá criava um novo - e resolvi criar o Bianca Quintella. Mas um blog com meu nome ficaria sem graça, então, me espelhei no nome do dela, I'll Keep it With Mine, e batizei de I'll Share it With You.
Com um blog criado e batizado, só faltava uma postagem pra chamar de minha. A Virgínia tava lendo o Ñ Intendo, e abrimos o joguinho da semana, NerveJangla. Acabamos nos viciando, eu não queria esquecer o link nem o nome do jogo, e criei a postagem chamada Game!. Como vocês podem ver, o nível de conteúdo dela é um pouco baixo. As postagens eram um tanto escassas, assim como minha inspiração, até que, em meados desse ano, eu conheci meu heartbrother, Felipe Cruz, e seus contos. Ele me inspirou a reativar meu blog. Obrigada, irmão!
Nunca imaginaria ter mais de 30 visualizações em um dia só - muito menos, em mais de uma postagem por semana. Setecentas visitas em um mês? Nossa, nem nos meus mais profundos sonhos. E não quero dar uma de famosa, mas obrigada a quem lê. Graças a vocês, eu fico toda emocionada quando abro a página de estatísticas e vejo meu gráfico todo cheio de curvas. Ainda tenho muito a crescer e a postar, mas adoro quando a inspiração vem e eu tenho algum lugar pra escrever que não seja uma folha de papel. Adoro partilhar idéias e opiniões sem me preocupar se alguém vai prestar atenção e depois ver que todo mundo prestou. Um acerto em cheio na minha vida é esse blog. Prometo continuar tornando públicas as minhas palavras.

Passado

É muito, muito bom, olhar pra trás e ver o que deixei no passado. Eu acreditava que vivia uma coisa, enquanto, na verdade, vivia outra, e, só agora, enxergo isso. Bem que as pessoas me diziam, mas é que a minha realidade era outra. Hoje eu estava me lembrando, e tenho um conselho para dar a vocês: coloquem-se no lugar das outras pessoas. Se todo mundo fizesse isso, o mundo seria totalmente diferente. Nada é melhor para entender uma pessoa do que ver a vida através dos olhos dela. A gente deve encarar a vida com brandura, aceitar se curvar, e, ao mesmo tempo, ser confiante. Acho incrível fazer uma retrospectiva dos últimos anos e ver o quanto eu mudei, o que deixei passar, as coisas que encarei. Meu passado foi bom, feliz, mas eu não quero ele de volta de jeito nenhum. Estou numa fase muito 'eu'. Amo a mim mesma, cuido de mim, vivo para mim. Não vou mais construir minha vida em torno da vida dos outros, e sim do lado dela. Nada do que se funde é bom, porque uma hora tem que difundir. O passado passou e eu estou superando, se é que não já superei. E o que deixei lá, deixei por um motivo. Meu passado nunca, jamais, se tornará presente de novo. E eu acabo, aqui, com todas as esperanças vivas, de qualquer um, que, um dia, meu passado volte a ter um futuro promissor - ele não tem. O passado é história pra contar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Que seja Doce

Lúcia era tão doce quanto o nome que recebera. Vivera a vida à procura do homem da sua vida, o primeiro beijo que se tornasse o primeiro namorado, e que, alguns anos depois, se tornaria marido, fruto de um singelo casamento à beira-mar. Achou, e não foi bem como ela esperava. Depois disso, decidiu que não planejaria mais nada: se o coração batesse mais forte, ela deixaria de ser teimosa e obedeceria a ele. Como Caio Fernando Abreu, repetiu sete vezes "que seja doce, que seja doce, que seja doce..." e se jogou à nova experiência que acabara de encontrar.
Abraçada à... Experiência... Ela imaginava como era bom não ter planejado nada, não ter um roteiro, não saber exatamente o que vai acontecer. Amava o descontrole súbito, sem ter ensaiado antes, sem saber como ia ser, improvisando. Aprendeu a preferir espontaneidade. "Que seja doce", pensou. Estava sendo doce como uma balinha de menta.

Depois da chuva

O céu se abriu num estio da chuva que caíra a madrugada inteira e deixara a cidade toda molhada. Peguei a mão de Fábio e saímos correndo pelas poças - amávamos o cheiro de grama molhada. Acabara de amanhecer e o sol ainda estava alaranjado, relutante, saindo detrás das nuvens vagarosamente. Aposto como as pessoas dentro dos carros não entendiam o que eu e meu irmão estávamos fazendo. Elas estavam ocupadas demais com suas vidas caóticas, falando nos celulares, buzinando, indo em direção ao trabalho, se desentendendo no meio das ruas e cheias de stress por causa da correria diária. Eu ria de ter um momento de correria calma com meu irmão. Tinha tanta gente apressada e que há tanto tempo não sabia o que era aproveitar as coisas simples da vida, que me senti muito mais do que privilegiada. Às vezes, é bom sair por aí, sem destino, molhando os pés e achando graça no ato de estar vivo. É bom sempre se lembrar que, depois da chuva, vem o sol.

sábado, 8 de outubro de 2011

Único

Eram olhos negros profundos e enigmáticos que eu vivia tentando decifrar. Eles estavam sempre tão perto de mim! Às vezes fechados, às vezes abertos, às vezes revirados ou me analisando - mas nunca falhavam em me deixar imaginando o que enxergavam. Olhos únicos.
Era um rosto que eu reconheceria a vários quilômetros de distância. Bastava aquele rosto se virar para mim e eu ficava sem ação, encabulada e sorridente. Tentava disfarçar, mas acho que ele percebia. Era um rosto que tinha pele pálida e lábios bem delineados que faziam meu coração bater mais forte. Era um rosto de alguém que eu considerava único.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Helena

Continuação de "Bem Vindo ao Inferno"

"Helena? Onde está Helena?", o detetive perguntou. "Não importa. Mais uma palavra e você morre" foi a resposta obtida. O Detetive Guilherme Licarião era apenas Guilherme quando se tratava da amada. De repente, ele se lembrou do próprio ofício e que não ganharia milhões de reais para salvar Helena. Guilherme, finalmente, entendeu: tinha sido sequestrado.
O vento naquele lugar era gelado, e Guilherme estava molhado, sujo, fedendo, enjoado e embriagado por ter visto sua menina dos olhos. Ele não sabia muito bem o que fazer, então sentou-se e pensou. Esperaria o sequestrador voltar. Adormeceu. Acordou com o clarão: era a hora. Alguma coisa foi jogada para dentro do cômodo. Uma cenoura?
"Espere!", o detetive gritou. O homem apenas parou, sem se virar. "Como é seu nome?"
''Helena."

A velha senhora e o passarinho amarelo

Era uma vez um passarinho amarelo que morava em uma casinha de madeira no pico de uma montanha. Um dia, uma senhora mal-encarada e sombria se mudou para lá. Ela passava o dia carrancuda e nunca olhava para o passarinho.
A senhora estava sentada no jardim, sozinha, comendo biscoitos de mel, quando o passarinho pousou ao seu lado e cantou para ela uma linda melodia, encantadora e arrepiante. Pela primeira vez, ela sorriu. Ofereceu-lhe biscoitinhos e eles dividiram o lanche todos os dias a partir daquele. Viraram inseparáveis. A melhor coisa do mundo não é a música, não são os biscoitos: é a amizade.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Dia em que Marcelo chorou

Eu cheguei na escola, encontrei minhas amigas e fomos buscar água, juntas. Quando estávamos no bebedouro, meu melhor amigo chegou, cabisbaixo. Meu melhor amigo, Marcelo, que tem um ombro maravilhoso pra quando se quer chorar, que tem ouvidos ótimos pra ouvir meus problemas, que tem um abraço que é reconfortante como nenhum outro. Além disso, ele nunca estava cabisbaixo. Claro que tinha alguma coisa errada. Disse às minhas amigas que ia dar colo para ele e o puxei pelo braço esquerdo até a arquibancada.
- Me conta o que aconteceu.
- Meu pai fica falando besteira. Ele chegou de viagem agora e eu contei pra ele que tava namorando.. Hoje ia lá com a Patrícia antes da aula, e ele fez questão de me levar para a escola de carro e passar na frente da escola dela. Ela tava lá na frente e me viu, só que eu não pude parar.. O máximo que pude fazer foi mandar um beijo pra ela.
E ele chorou. Meu melhor amigo, de 1,82m, chorando. O que eu ia dizer?
Pra mim, choro pede abraço. Abracei Marcelo e ele chorou mais ainda. Ficamos assim, sentados, ele com a cabeça no meu ombro e eu com as mãos nas costas dele, por um tempo. Depois fomos à pia, eu pedi a ele que lavasse o rosto e o levei até sua sala de aula.
Poucas coisas na vida me partiram tanto o coração quanto ver meu melhor amigo - que para mim era tão forte, inatingível e experiente - chorando.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Steve está morto

Estávamos todos trabalhando, orgulhosos, em novos projetos. A sede da Apple não parava nunca, estava em constante renovação. Nunca havia parado, na verdade, até a hora em que Tim, o novo CEO havia um mês, escolhido a dedo pelo próprio Steve Jobs, entrou, pálido, na nossa sala.
- Steve está morto.
Foi a primeira vez que a Apple inteira parou. Todos estavam incrédulos. A gente nunca imagina que pessoas tão lendárias possam morrer, e, por isso, nunca estamos preparados quando acontece. Involuntariamente, mesmo sem conhecê-lo, eu chorei. Era, e continuo sendo, uma grande fã de Steve.
Lembro-me de, na adolescência, ter brincado de Adedonha com meus amigos da escola, e, quando escrevi Jobs em um dos quadrados, ter colocado entre parênteses o nome Steve. Todos riram. Mas o que mais me tocou foi ter chegado em casa e visto a homenagem a ele na página inicial do Google, no Facebook, muitos trending topics sobre ele no Twitter e vários subnicks no msn dedicados a ele. A sensação que eu tive foi que, embora Jobs não estivesse mais entre nós, ele estava ali, de algum jeito. Aí me toquei que estava com a mão no mouse - graças a ele. Tirei do bolso meu IPhone e digitei "RIP Steve Jobs. Você deixou marcas nas nossas mesas, ouvidos e mãos."

Mesmo assim, lá estava ele

Lembro-me do dia em que descobri que Steve Jobs existia como se fosse ontem. Lembro-me da primeira vez que vi um IPod e que não sabia como era possível que alguma coisa funcionasse sem teclas. Hoje teria sido um dia qualquer, se, do restaurante japonês onde eu estava, não tivesse acessado o Twitter - usando meu celular sem teclas - que ele estava morto. Acho que se tinha alguém no restaurante que não sabia, ficou sabendo, porque não consegui controlar minha reação:
- NÃO ACREDITO QUE O STEVE JOBS MORREU!
Preciso falar sobre ele porque, bem, todos estão falando. Mas mais do que isso, ele mudou o mundo. E mais ainda, ele integrou mouses aos computadores. Não me vejo usando um computador só com teclado. Enfim, vamos lá. A vida do Steve não foi fácil e todo mundo sabe. Mas, mesmo assim, lá estava ele. Nasceu e foi dado para adoção porque os pais biológicos não tinham condições financeiras de criá-lo. Desistiu da faculdade porque os pais adotivos não tinham condições de pagá-la. Mas, mesmo assim, lá estava ele. Uma vez - não foi hoje, no Globo News - ouvi alguém compará-lo a Thomas Edison, o cara que inventou a lâmpada. Tá, é uma boa comparação, mas a lâmpada só acende e apaga. Um computador, por outro lado.. Um Mac, ainda! Isso é muito mais que condução de corrente elétrica.
Não posso fazer a homenagem muito longa porque ainda quero fazer uma postagem sobre isso ao estilo Bianca, então, vou repetir os clichês usuais: Steve foi muito importante, mudou o mundo e foi até o fim. Com um câncer terminal, avançado e raríssimo, mesmo assim, lá estava ele.

Lorraine

Lorraine era conhecida na escola como Rain, por ser cinzenta e tristonha. Desde pequena, não parecia conhecer a vida de verdade, e sim, viver em um universo paralelo. Seus pais, no início, acharam que ela era autista, mas, mais tarde, ela foi diagnosticada como psicopata. Entendia o amor, a felicidade, o ciúmes e outros sentimentos em geral, mas não os tinha dentro de si. Ela não sentia nada. Sua mãe sofria muito por isso.
Um dia, Rain sumiu. Foi a uma festa e não voltou mais. Seus pais chamaram todas as unidades de investigação possíveis, espalharam cartazes pela França inteira, mas não encontraram a filha. Os meses passavam, as esperanças de todos diminuíam, e a menina não aparecia. Nem uma única pista. Nem uma digital, nem um fio de cabelo, nem pegadas, marcas de pneu, fios de roupas, objetos perdidos. Nada.
Um belo dia, seis meses depois, os Louis e Vivianne Sabin chegaram em casa e se depararam com a filha sentada no sofá da sala. Abraçaram-na, incrédulos e chorosos, mas quando perguntaram a Rain onde ela estivera, a resposta foi:
- Minha vida está condicionada à ignorância de vocês em relação a isso.
Eles aceitaram, hesitantes, mas conformados. Com as semanas, Vivianne percebeu que Rain não era mais uma gota de chuva inconsistente, e sim, um raio de sol sólido e brilhante, estava cheia de vida como se nunca houvesse deixado de sentir nada.
Ela subiu as escadas de madeira, entrou no quarto onde o marido cochilava, acendeu a luz e bateu a porta violentamente.
- Céus, Vivianne, por que tanto alarde?
- Lorraine não é psicopata.
- Não vamos falar disso de novo...
- Ela sente, Louis! Ela sente!
- Não. Escute, ela não sente.
- Eu sei onde ela esteve durante esses seis meses.
Louis levantou, alarmado, com as pupilas dilatadas e as mãos trêmulas.
- Onde?
- Descobrindo o amor.

Redes Sociais

- Estamos conversando pelo bate-papo do Facebook, pelo Orkut pelo Msn.
- Conversar com você, se não for ao vivo, tem que ser por todas as redes sociais possíveis. Vamos, me mande uma mention no Twitter!
- Deixe disso e vamos ao cinema.
- Você sabe que não posso.
- Porque te faltam quinze reais. Me deixe pagar.
- Não!
- Ah, você é tão cabeça dura..
- Não sou não. Você que é.
- Por que não estamos conversando pela webcam?
- Porque eu não estou em casa.
- Hugo, onde você está?
- ...
- Hugo!
- Na frente da sua casa. Agora deixe de mimimi e vamos ao cinema. Conversar ao vivo é muito melhor que conversar em todas as redes sociais simultaneamente.

Nova Zelândia

- Calma, Babi, não precisa chorar. A dor passou. Estamos aterrizando na Oceania; lembra que você sempre quis ir lá? As areias são brancas e o mar é azul como o céu. E o céu é azul como seus olhos. A Nova Zelândia vai ser nossa primeira parada. Lá tem praia e neve o ano inteiro. Se você quiser, podemos ir à praia até suas bochechas ficarem rosadas e depois ir esquiar até seus lábios ficarem violeta. Você adora violeta. Depois podemos mergulhar bem fundo e ver os recifes de coral. Eles são enormes. Vamos observar milhares de peixinhos coloridos... Babi?
- Papai, eu te amo, mas podemos ir amanhã?
Senti o coração de minha filha parar de bater. A médica entrou, rapidamente, e declarou a hora do óbito. "Sinto muito", ela falou, e foi embora. Eu quase acreditara que chegaria com minha filha de 6 anos e um câncer em estágio terminal à Nova Zelândia.

Chuva

Eu acordei às 3h da manhã ontem - logo numa madrugada de segunda - com a chuva. Fiz questão que minha cama ficasse embaixo da janela para momentos como aquele. O barulho das gotinhas tamborilando no vidro da janela era tão reconfortante.. Meu cobertor estava quentinho e minha cama estava macia. Várias lembranças vieram à tona: a felicidade e os pulos de alegria quando passei na faculdade, o nascimento do meu irmão, o último dia de aula do terceiro ano, o último garoto que me arrancara suspiros. Aliás, virei para o lado e o abracei. A chuva era, realmente, muito reconfortante.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Axl

Todo mundo estava reclamando do atraso do Axl Rose e fazendo piadinhas. Eu,mesma, participei disso. Ele se atrasou, é verdade, e muito. Estava previsto para entrar no palco às 0h 40 e entrou 2h 50. Isso merece muitas piadinhas. Mas vaias...
Cara, pensem bem, é o Axl Rose. Ele tem mais tempo de carreira que eu e minha mãe juntas. Ele pode estar gordo, acabado, com cabelo ruim, capa de chuva ridícula, se sentindo uma estrela e duas horas - ou mais - atrasado, mas não deixa de ser quem é. Seu nome nunca vai se perder. Tanto é que as cem mil pessoas ainda estão ali. Mesmo com essa chuva torrencial.
É que é mágica, sabe? A música? Ah, a música... É bem assim que acontece. Ele não fez nada além de se atrasar. Acontece com todo mundo, é só uma questão de proporção. Por exemplo, você se atrasa quando tem uma pessoa esperando e ela fica com raiva porque você se atrasou mas estava ansiosa para te ver. O Axl se atrasa com cem mil pessoas esperando e, bem, o resultado, todos sabem.
Todo mundo que tava vaiando cala a boca e sente o arrepio, o aperto no coração, aquela emoção involuntária, por saber que a hora chegou. Todo mundo cala a boca porque é o Axl Rose e ele merece - além da indignação básica - muito barulho e aplausos até as mãos ficarem dormentes. Música é mágica, o Axl é mágico. A música que o Axl produz merece espera.

domingo, 2 de outubro de 2011

A Rosa

Foi uma noite maravilhosa. Ela o encontrou num bar, eles conversaram, dançaram e se beijaram muitas vezes. Depois, ela o levou para seu apartamento. Conversaram mais um pouco, beberam umas taças do melhor vinho que ela tinha em casa.
Quanto mais ela o observava, menos enxergava motivos para se separar dele. Era bonito, alto e muito carinhoso. Ele sorria e dava piscadelas. Perto das cinco da manhã, foram para o próximo nível. Ela tinha lençóis brancos, macios e aconchegantes, os quais ele elogiou.
Ela acordou com o sol batendo no rosto, e quando esticou o braço para tocar os cabelos dele, sentiu apenas o travesseiro e o cheiro de perfume. Abriu os olhos e viu-se sozinha na cama, com uma enorme rosa vermelha ao seu lado. O potencial amor de sua vida a havia deixado e levado seu coração.

sábado, 1 de outubro de 2011

É um alívio

Não tenho palavras para descrever minha indignação quando vejo alguém reclamar da vida. Às vezes, entendo, mas, mesmo assim, não consigo aceitar. O que mais seríamos?
a) Deuses
Vou pegar emprestado o raciocínio do meu irmão de heart, Felipe Cruz. Se fôssemos deuses, precisaríamos de que alguém acreditasse em nós para podermos existir. Logo, não é um alívio que sejamos humanos?
b) Animais
Ser um animal e depender de cuidados talvez seja pior que ser um deus e depender de crença. Quando se é um animal, tem-se duas opções: ser adotado por um humano ou não. A primeira opção significa que você será submetido às vontades do seu dono: "senta", "deita", "rola". Se ninguém te adota, todo mundo que passa 1) te acha repugnante ou 2) tem pena de você. Logo, não é um alívio que sejamos humanos?
c) Seres Inanimados
Tipo pedras. As pessoas dão topadas em seres inanimados e dizem "ah, foi só uma pedra." Ser chutado, atirado para longe, quebrado, comprado, vendido, mal cuidado, e, no final, alguém ainda dizer que você não presta e te deixar de lado.. Bem, isso não é para mim. Não é um alívio que sejamos humanos?
d) Extraterrestres
Talvez essa seja a melhor opção. Nunca se sabe, mas extraterrestres talvez vivam em condições muito melhores do que as nossas - aliás, isso me fascina de um jeito... -, em planetas bem cuidados e convivendo com outros seres muito mais desenvolvidos. Mas, bem, talvez eles nem existam. Acho que isso explica perfeitamente o porquê de eu preferir ser o que sou. Aliás, não é um alívio que sejamos humanos?
Não estou dizendo que as pessoas que reclamam da vida não têm nenhuma razão de reclamar, e sim, que ou se vive ou não se vive. E viver reclamando não adianta nada porque viver sem reclamar é muito melhor. Só isso. Eu mesma estava em uma situação em que achei que não tinha saída. Claro que doeu um pouco, mas hoje, quando dou colo para outras pessoas, sempre penso nisso. Existe, sim, uma saída. E não, não existem motivos para reclamação. É um alívio que sejamos humanos.

Breve, mas eterno

- (...) Acho que estou te reconhecendo.
- De onde, mesmo?
- Da internet. Seu nome não é Beatriz?
- É, sim.
- Eu li várias vezes o seu blog.
- Ah, você gosta?
- E muito!
- Eu já olhei o seu Facebook várias vezes.
- 'Ah, você gosta?'
- 'E muito.'
- Você não acha que estamos enrolando demais? (Beija-a.)
- Estávamos mesmo.
- Você está com uma cara estranha.
- É que é muita coincidência eu ter encontrado você aqui. Sabe, ainda não estou acreditando.
- Foi tão surreal que a gente podia tentar de novo.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Senti-me Ameaçada

Fabrício tinha complexo de Édipo e isso era muito claro para mim. Crescemos juntos, nossas mães eram amigas e ele sempre me amara. Chegou até a me dar uns presentes de dia dos namorados, algumas vezes. Se não fosse tão estranho, seria legal.
Antes ele não falava com ninguém, depois começou a falar com todo mundo e agora está um tanto estranho. Na verdade, ele está assustadoramente estranho.
Saímos para jantar e comemorar o aniversário de uma das amigas das nossas mães. Eu, ele, a irmã dele e a minha prima sentamos em uma mesa separada e fomos jogar Uno. Ele sorria demais. Quando falava, repetia a própria fala, um pouco mais baixo. Falava muito alto. Usava muito a força física. E ele tinha um olhar vidrado como se alguma coisa importasse mais do que tudo no mundo.
Eu não entendo, ele costumava ser tão normal.. É nessas horas que a gente vê como as pessoas são diferentes umas das outras. Como era possível que Fabrício tivesse uma espécie de doença rara - ou, talvez, até desconhecida, porque, mesmo sendo filho de psicóloga, já visitara os melhores profissionais e nunca fora diagnosticado com nada além do Complexo de Édipo - e pudesse parecer um simples geniozinho adolescente perto de mim?
Estávamos jogando usando a regra do 9: toda vez que um desses é colocado na mesa, os jogadores têm que bater a mão em cima dele e o último a fazê-lo compra 4 cartas. Ele jogou. Só colocou a mão depois de mim, e minha prima e a irmã dele o fizeram em seguida. Quando elas retiraram as mãos, ele não fez o mesmo. Ficou com a mão, forte, em cima da minha, me prendendo. Ele me olhava e sorria, atento, um tanto ameaçador. Sua expressão não era mais de adolescente. Era quase como se fosse... Um assassino. Era agora um homem e estava me deixando muito apavorada. Não sei o que ele tem, mas estava olhando para mim e manifestando todos os sintomas da estranheza de ultimamente.
Tenho medo que algum dia Fabrício faça alguma coisa terrível.

Eloísa

Eu havia vindo a quase duzentos km/h até o apartamento dela, que pareceu muito, muito longe do meu. Lágrimas involuntárias e um tanto femininas escorriam dos meus olhos. Gritei ao porteiro que não me impedisse de entrar, ainda bem que ele já me conhecia. Não tive paciência de esperar o elevador, então voei nove lances de escada. Talvez com a força que a adrenalina me deu, talvez com a minha própria força, arranquei o extintor de incêndio da parede e o joguei contra a porta branca do apartamento 938.
- Isa! Eloísa! Isa?
Corri o apartamento inteiro, em prantos. Onde ela estava?
-Eloísa!
Finalmente, cheguei até a linda varanda que ela mesma projetara. Contrastando com a paisagem, enrolada em cachos ruivos, ela estava banhada em sangue e lágrimas, acompanhada de umas pílulas. Corri até seu corpo, afastei as outras coisas, puxei-a para meus braços com força, encostei minha cabeça na sua e chorei com desespero.
Ela, meio grogue, me perguntou o porquê do choro.
- Você tentou se matar de novo.
- Para o meu próprio bem, Lucas.
- Deixe de ser egoísta! E se você se matasse com pílulas? E se sangrasse até a morte? E se pulasse do nono andar? O que seus pais iam pensar? O que seria de mim?
- Como assim, o que seria de você?
- ...Sem você. O que seria de mim... Sem você.
Ela me olhou, esperando por mais. Continuei.
- Sem os cachos dos seus cabelos, sem seus projetos de casas, sem seu paisagismo, seu perfume, sua pele, sua torta de limão..
- Minha torta de limão? Ha, ha, ha.
- É, Isa. Sem sua torta de limão - Beijei seu pescoço e comecei a limpar, carinhosamente, o sangue dela de nossos corpos - Não sei por que você insiste em querer me deixar para sempre sem torta.
- Eu ia fazer torta hoje.
- Bom, agora temos uma ocupação melhor.
- Lucas! - Ela fez aquela voz que todo namorado conhece, forçando a tonicidade do meu nome e baixando alguns tons o som. Soava como se fosse "LÚCAAAAAS".
- O que? Eu estava falando de limpar a casa. Você fez uma bagunça aqui.
Ela riu e me abraçou mais uma vez. Fora a tendência suicida, Eloísa era uma garota como qualquer outra.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cícero

Cícero era loiro e tinha olhos castanhos brandos como se ele nunca se preocupasse com nada. Ele tinha um jeito protetor. Antes eu o achava chato, irritante e um tanto inconveniente, quando éramos crianças. Mas o tempo passou, eu cresci, ele cresceu, e, bem, ele continua do mesmo jeito. Só que agora, está sedutor, charmoso e, oh!, como sua presença me convém.
Quando eu contei a ele que estava solteira, ele torceu o nariz. "Isso não combina com você, sua bonequinha". Cruzou os braços, olhou para o lado, assoviou, bradou-me heartbreaker. Eu sorri, balançando um pouco o corpo. "Você tem certeza?" disse, piscando. "Tem certas coisas que combinam muito bem comigo". Dei-lhe um beijo sugestivo, baguncei seu cabelo e olhei em seus olhos. Obviamente, ele não é mais tão chato assim.

Bem-Vindo ao Inferno

O esgoto cheirava a... Esgoto. Ele estava com as roupas molhadas de andar por lá. Era nojento, escuro, frio, malcheiroso e cheio de insetos e roedores. Mas, bem, escolhera ser detetive porque gostava de sair da rotina. Não é todo dia que se entra em um esgoto à procura de rastros de um adolescente sequestrado há dois dias. Não é todo dia, também, que se recebe um telefonema oferecendo milhões de reais "pelo trabalho do melhor profissional da área".
Ele andava, munido apenas de uma lanterna, quando tropeçou e se molhou dos pés à cabeça na água cheia de resíduos. Aliás, se é que aquilo podia ser chamado de água. Ficou um tempo sentado, chafurdando, quando começou a escutar movimento. Era intenso demais para ser causado por roedores. Incorporou todos os detetives de cinema que conhecia, fez uma cara bem séria, colocou um dedo por cima da luz da lanterna para diminuir sua intensidade e moveu-se vagarosa e silenciosamente em direção ao som. À medida que avançava, ele ficava mais alto, mais constante. Quando beirou o insuportável, o detetive soube que estava perto. Parecia vir de dentro da parede. Obviamente, não era uma parede. "Ah", pensou, "que truque batido".
Tudo aconteceu num piscar de olhos. Ele havia encontrado a entrada, a porta de madeira - como não a vira antes? - se abriu, ele estava seco, cheiroso, num ambiente totalmente diferente. Alguma coisa curvilínea se movia em sua direção. Ela o tocou, espalhou seu perfume no corpo dele e, quando o detetive viu, os olhos mais azuis do mundo se divertiam, cheios de malícia. Helena era sua paixão desde sempre. Ela beijava seu pescoço, o acariciava e revirava os olhos. "Oh, Guilherme, eu senti muito a sua falta..", ela sussurrava, sedutora, em seu ouvido, enquanto o empurrava para uma superfície macia.
Guilherme era o melhor detetive que conhecia. Sempre desvendava os casos e nunca se prendia a futilidades. Mas Helena.. Ele não podia escapar. Fechou os olhos, deixou-se envolver, respirou o mais puro perfume, tocou os sedosos cabelos e beijou o pescoço mais macio do mundo. Sentiu o chão tremer, a cabeça girar e Helena parecia se distanciar. Alguma coisa o atingiu na cabeça. Abriu os olhos. Ela sumira, a cama também. O lugar fedia, era um buraco. Ainda estava com roupas molhadas cercado por roedores. Ao invés da moça, um homem de máscara sorriu amargamente.
"Bem-vindo ao inferno."

Dois Segredos

Luca, Renato, Júlio e Lúcio guardavam um segredo em relação a Gabriela. O que teria acontecido na noite anterior na casa de Luca? Ninguém sabia, e Júlio e Lúcio eram os únicos que se lembravam.Não contaram nada a ninguém.
Gabriela também não se lembrava de nada, mas tinha certeza que perdera a virgindade. Perguntou a algumas amigas o que fizera. Naquele mesmo dia, os pais de Renato receberam um telefonema: ele estava com os outros três amigos, detido, na FEBEM, onde passaram dois dias. Foram processados por estupro.
Renato foi, dos quatro, o que mais se arrependeu. Ele sofria intensamente por não poder retomar sua vida normal, por ter passado a noite com Gabriela, bêbado além do próprio controle.
Ele decidiu que viveria a vida como se nada tivesse acontecido. Pararia de se esconder, voltaria a usar o celular e nunca mais se sentiria um monstro novamente. Não fugiria do namorado de Gabriela e não comentaria com ninguém o acontecido. Ela veio confrontá-lo, era mais uma noite, e eles estavam em um bar. Estava escuro, gelado e quase vazio. Procuraram um lugar mais reservado. Beberam.
No dia seguinte, Renato já não era mais o mesmo. Agora, ele era um rapaz jovem, bonito e com futuro promissor que escondia dois terríveis segredos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Segredo

Era uma vez quatro amigos: Renato, Luca, Júlio e Lúcio. Eles eram todos jovens, bonitos e tinham um futuro promissor. Gostavam de música, luta, futebol e, principalmente, amavam uns aos outros como irmãos. Luca deu uma festa em casa. Daquelas festas de adolescente, onde se festeja nada mais, nada menos, do que o privilégio de ser jovem, bonito e ter um futuro promissor. Mas adolescentes bebem, e meninas adolescentes que bebem geralmente não prometem muito em seus futuros. Então, os meninos tinham uma amiga chamada Gabriela. Ela bebia, e bebia muito. Nessa noite, o fez em dobro. O que aconteceu depois era uma incógnita. Ninguém se lembrava de nada, e muitas versões da mesma história surgiram da noite para o dia. Eram quatro amigos jovens, bonitos e com futuros promissores, aos olhos de todas as outras pessoas da escola onde estudavam. Exceto que escondiam um terrível segredo.

Sobre Amizade

Cecília e Vítor eram melhores amigos. Daqueles loucos um pelo outro, que todo mundo acha que namoram. Um dia, Vítor arranjou uma namorada. Ela era mais velha, ciumenta, e acabou proibindo-o de falar com a amiga.
Eles brigaram, bem feio. Cecília não entendia por que Vítor não podia mais ser amigo dela. Foi tirar satisfações, levou uma resposta atravessada. Ficou muito magoada. Vítor, por outro lado, também estava magoado. Ele amava Cecília, mas amava a namorada de um jeito diferente - e, na sua cabeça, o que estava fazendo valia a pena.
Dois anos se passaram na mesma situação. Cecília olhava para Vítor,Vítor olhava para Cecília e nada nunca acontecia. Talvez nada nunca fosse acontecer.
Cecília estava debruçada na sacada da escola quando foi abraçada por trás, com carinho. Era Vítor. Ela se virou e os dois se abraçaram como se não houvesse mais nada no mundo. Foi um dos momentos mais profundos que se pode imaginar. Ele pediu desculpas e ela chorou um pouco. Voltaram a se falar.
Alguns dias depois, estavam na escola, conversando, na hora da saída, quando a mãe de Vítor chegou. Ele deu um beijo na bochecha de Cecília.
- Você sempre vai ser minha melhor amiga.
- Eu nunca pensei que fosse sentir falta de alguém como senti a sua. Ainda bem que agora tenho você de novo.
- Não precisava nem falar, Cecí. Eu já sabia.
- Bossal.
- Ah, pára com isso. Vem cá.
E eles se abraçaram de novo. Aquela amizade não tinha preço.


Baseado em fatos reais

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Parte de Mim


Eu precisava fazer uma postagem no blog sobre o Capital Inicial e parabenizar a banda pelo show no Rock in Rio, que, depois de dez anos sem apresentações e com um repertório antigo, conseguiu levantar duzentas mil (e duas, se contarmos comigo) mãos. Não escondo, sou louca L-O-U-C-A pelo Dinho Ouro Preto e ele é minha inspiração. Quase tive um ataque cardíaco quando ele pegou água para um dos fãs. Foi muito carismático. E ter cantado 'Que País é Esse?' dedicando pro José Sarney foi uma sacada de mestre. A banda tem quase trinta anos e continua fazendo sucesso, isso é incrível, e três dos quatro membros originais continuam em atividade. Só queria colocar isso aqui porque quero que o blog reflita minha personalidade, e Capital é uma parte dela. Capital é uma parte de mim.

Vivo

Em algum lugar por trás do letreiro de Hollywood, o sol se punha. Exatamente atrás do 'H' do letreiro, Heitor estava sentado. Sentia o coração prestes a explodir, como um mar de luzes de telefone celular. Ele crescera no meio de acrobacias, flashes, paparazzis, dinheiro, mansões e carros de vários milhões de dólares. Subia tanto em palcos como em telhados, gritava e as pessoas dançavam, pegando fogo, até decolarem como máquinas de foguetes. Mas Helena chegara, e eles estavam sozinhos, naquela noite. Pelo menos naquela noite, era só estenderem os braços e tocarem o céu. Ele sentia-se vivo.

O Pianista

Era uma vez um menininho que tocava piano como ninguém. Seus dedos deslizavam nas teclas com a facilidade de um giz de cera deslizando numa folha de papel. Ele cresceu e tornou-se um pianista clássico renomado; todos o conheciam. Estava no auge de sua carreira.
E então ele ficou surdo.
As pessoas comentavam sobre como a vida havia sido cruel com o pianista, em torná-lo surdo. Ele parou de se apresentar por uns tempos. Foi como se tivesse morrido. Ninguém mais ouviu falar dele.
Até que um dia, algumas pessoas em algumas partes do mundo ligaram a televisão e viram o jovem, sorrindo, fazendo o que fazia melhor: tocando piano. Lágrimas escorriam de seu rosto. Ele compôs música. Uma música arrepiante, sonora, emocionante. Arte de verdade.
O pianista voltou a ser famoso. Surdo, ainda tocava como ninguém. Viveu uma vida próspera, com uma carreira de sucesso e muitos fãs.
Quando fez setenta anos, ele colocou uma cóclea.
Um dia, um fã veio perguntar ao pianista como havia sido possível compor sem escutar a própria música.
- Todos deveriam ser surdos por alguns anos. Não ser capaz de escutar nada faz a gente ser capaz de sentir tudo. Eu compus porque música de verdade tem que vir do coração, não precisava dos meus ouvidos.
Aquele foi o pianista mais sábio de todos os tempos.

domingo, 25 de setembro de 2011

Durante a Madrugada

Ele passava o dia inteiro estudando. Queria ser antropólogo - o melhor de todos. À noite, se deitava e dormia tranquilamente.
De repente, em algum ponto da madrugada, ele se levantava, saía de casa e vestia sua armadura. Polia a espada, colocava o elmo e procurava donzelas em perigo para salvar. Lutava contra dragões e outros cavaleiros de cima de seu cavalo puro-sangue dourado. Nunca perdia uma batalha sequer. Reportava-se a reis e rainhas, descobria grandes tesouros, servia de modelo para quadros e esculturas. Estava treinando um exército para invadir Lisboa caso o país não encerrasse as atividades comerciais com a Inglaterra. Algum dia ele seria o maior de todos os cavaleiros do mundo.
Então ele acordava e voltava a estudar. Queria ser antropólogo - o melhor de todos.

sábado, 24 de setembro de 2011

Cataratas do Iguaçu

Nas Cataratas do Iguaçu existem muitas borboletas. Elas vêm e voam em cima de você. É sempre úmido e é impossível andar sem se molhar. A água é muito forte e, para completar o clima de paraíso, um arco-íris indelével enfeita o céu.
Existe uma passarela de madeira por cima da água que permite que as pessoas fiquem mais perto das cataratas. Eu estava andando nela quando vi um casal rindo como se não houvesse amanhã. Eles se abraçavam, como se fosse realmente muito engraçado. De repente, ele ficou sério. Se ajoelhou e disse, bem alto, tirando uma caixinha - de plástico - do bolso:
- Case-se comigo.
Ela gritou que sim. E eles voltaram a se abraçar e rir, agora, depois de dar mais um passo para a frente na relação. Não eram mais namorados, eram noivos. E estavam molhados, juntos, no meio de arco-íris, borboletas e rodeados pelas Cataratas. Realmente, aquilo foi um dos momentos em que desejei que meus olhos tirassem fotos.

O Peixe

Assim que nos mudamos para a casa onde moro hoje, em 2001, compramos um aquário. Ele é enorme. Na época, tinha dezenas de peixes exóticos e meu pai cuidava dele toda semana. Com o tempo, as pessoas pararam de importar os peixes para a nossa cidade e acabamos ficando com um peixe só: um acará-bandeira perolado com listras pretas. Ele já tem seis anos de idade.
Um dia desses, ele estava nadando de cabeça para baixo. Eu pensei que estava morrendo e, nossa, ele sobreviveu. Outro dia, minha mãe foi limpar o aquário e não tinha mais o produto essencial para a vida do acará e de um mato-grosso que tínhamos também. O mato-grosso morreu na hora. O acará ficou no fundo do aquário, deitado, como se estivesse morto. Algumas horas depois, ele levantou e começou a nadar de novo tranquilamente.
O último episódio foi que o peixe ficou cego. Papai disse que ele ia morrer de fome, porque, se não enxergava, não poderia comer.
Aí a gente começou a colocar a comida no aquário normalmente e dar umas batidinhas no vidro. Com o tempo, o peixe aprendeu a subir quando as ouvia e comer. Hoje papai o chama com estalos.
Começamos a chamar o peixe de Joseph Climber.

Inspiração

Um dia um cara me perguntou o que me inspira. Eu não soube responder; pensei e falei que, ah, dependia da situação. Ele contou que escrevia também, que uma professora de filosofia o ensinara, mas que parou porque não se sentia mais inspirado. Agora ele tinha uma namorada e queria escrever para ela quando ela fizesse quinze anos, mas não conseguia. Eu pedi desculpas por não poder ajudar e disse que quando fosse a hora de escrever ele conseguiria. Inspiração não é uma coisa que se precise procurar.
Aí eu cheguei em casa e comecei a ler meus posts pra ver o que me inspirava. E, na verdade, descobri que é tudo. O nascer do sol, as pessoas que eu vejo, animais, situações, sonhos.. Tudo me inspira.
No dia seguinte, eu cheguei pra ele e falei "escreva sobre ela. Os olhos dela. O rosto, o jeito que ela te olha, se você a ama, então ela te inspira."
Inspiração é assim: você está estudando aquela matéria cabeluda e de repente pensa em alguma coisa perfeita pra escrever. Você está dormindo e tem um sonho. Não dá pra prever, ela simplesmente vem. É como um raio que te atinge.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Destino

Namoraram durante alguns anos até que ele teve que ir embora do estado para fazer faculdade. Queria ser piloto. Ela era muito jovem, era bonita, era boa de papo, era difícil. Muito difícil. E por isso, todos a queriam. Eles terminaram e ela teve mais um ou dois, mas eram rolos de noite. Um beijo, dois beijos. Ela ia embora. Sofrera demais por uma vida inteira e tinha medo de sofrer de novo. Ele era charmoso, simpático e sedutor. Teve mais algumas, mas manteve o foco nos estudos.
Ela se mudou para os Estados Unidos para fazer faculdade. Arranjou emprego em um aeroporto. Era da equipe de terra e orientava os passageiros que desembarcavam.
Um dia, ela estava trabalhando. Era só mais um dia. Ajudava uma senhora quando sentiu o inconfundível perfume. Olhou para a frente e o viu, com uma camiseta branca com berimbelas e um quepe. Estava acompanhado da tia e de algumas primas. Ela ofereceu ajuda, olhando nos olhos dele, mas vendo através das pupilas dilatadas.
Trocaram informações e ela pediu a um colega para substitui-la por quinze minutos. Correu até a pista. Era perigoso e proibido, mas ela queria estar lá. Sentia-se segura. Chorou tudo o que guardara ao longo dos anos.
Ele colocou a mão sobre o ombro dela.
- O que foi?
- Nada.
- Não fale como se eu não te conhecesse.
- Não é nada que eu deseje compartilhar.
- Então o problema sou eu?
- Não. É a falta de você!
- Falta?
- É. A lacuna a ser preenchida em mim. Trabalho aqui para me sentir mais próxima de você.
Ele a abraçou, apesar da relutância. E aquele momento jamais caberá em uma postagem de blog. Foi reconfortante, cheiroso, macio, charmoso, saudoso, foi tudo o que um abraço deve ser. Além disso, foi esclarecedor. Mesmo depois de um fim com tantas lágrimas e tanto ressentimento, eles seriam namorados para sempre. Se aquilo não era destino, o que mais seria?

domingo, 18 de setembro de 2011

O Dia Amanhecia

Eu adicionara um novo tópico à minha lista de coisas a fazer antes dos dezoito anos: ver o sol nascer. Na primeira vez que tentei, todas as janelas e portas da casa da minha amiga estavam trancadas e tinham o vidro fosco. Dessa vez, eu estava em casa. Passara a noite acordada inventando o que fazer. Eram 5h 15 quando eu levantei e abri uma janelinha acima da porta principal.
O vento gelado da madrugada assoprou no meu rosto e o cheiro do sereno invadiu minhas narinas. Os passarinhos e o galo cantavam. O céu estava azul-celeste, rosa-algodão-doce, laranja-cenoura e tinha nuances de violeta-tapa. Era, sem brincadeira, irresistível. Senti vontade de sair correndo e gritar. O dia amanhecia diante de mim, para mim. O rosa e o laranja foram clareando e dando lugar a um estonteante azul. O violeta pouco se fez notar. Uma gigante esfera brilhante saía por trás das árvores. Corri até a cozinha para pegar a câmera, mas tinha esquecido de botá-la para carregar - ficaria só com a lembrança dos olhos.
Eu sentia as cores no meu rosto. O dia amanhecia e transbordava felicidade.
A Torre Eiffel é linda. O Cristo Redentor é único. Macchu Picchu é inacreditável. Mas o nascer do Sol é - apesar de tão mais simples - tão puro que não pode ser explicado com palavras.
Eu presenciava uma coisa para poucos. Meus pais, mesmo, estavam perdendo aquilo. E eu estava lá quando a hora mais bonita do dia aconteceu. Depois das 5h, antes das 6h. Eu recomendo. Não tem nenhuma experiência que se pareça com a de assistir de camarote o nascer do Sol e ver o dia amanhecer só para si.

Magia

O aniversário de 15 anos da minha filha foi a coisa mais linda que se pode imaginar. Eu insisti para que ela viajasse, mas ela preferiu fazer uma festa. Convidou catorze amigas e organizou uma valsa. Quis descer das escadas de aço e quis que eu trocasse suas sapatilhas brancas por sapatos de salto prateados. Eu conhecia o procedimento, na teoria, mas nunca tinha tido uma filha que fizesse uma festa de 15 anos como a dela. Como se tivesse outras filhas além dela.
Todas as luzes se apagaram e tudo ficou invisível. Um holofote de luz branca se acendeu e lá estava ela, como uma princesa, sorrindo, parada antes de descer as escadas. Desceu-as devagar, como quem brinca, aproveitando para ser criança. Quando seus pés tocaram o chão, já era uma mulher.
Seu olhar me atingiu. Olhos marcados por muita maquiagem, castanho-avermelhados fortíssimos e transbordando personalidade. Ela se aproximou. Todos esperavam que se sentasse, mas, antes, se inclinou e me deu um beijo no rosto.
Depois dizem que gente grande não sabe mais o que é magia.

O Amor

A vida de Pablo pode ser dividida em dois períodos: A.V. e D.V.; Antes de conhecer Valéria era uma pessoa, e depois de tê-lo feito, era outra. Se não continuasse com o mesmo rosto seria irreconhecível. Foi como se tivesse nascido de novo. Ele era racional, equilibrado, centrado, nunca demonstrou muita emoção. Era rude e difícil de lidar. Mas aí ele a conheceu e amou tanto, mas tanto, que tornou-se um tolo apaixonado e tagarela. Ria por tudo. Isso é uma coisa estranha, mas maravilhosamente nobre, o amor.

sábado, 17 de setembro de 2011

Esperar pelo Futuro

Ela não esperava nada. Nem uma mensagem, nem ligação, nem cartas.. Não depois daquela briga horrível que tivera com ele. Xingou-o e depois passou noites chorando.
Mas naquele dia, recebeu uma mensagem na qual ele dizia que a perdoava. E ele conversou com ela no msn, e fez com que ela conversasse com ele também. Como se nada nunca tivesse acontecido. Como se todas as brigas e lágrimas tivesses sumido e eles se conhecessem a vida inteira, como melhores amigos.
Ela chorou quando se lembrou do perfume dele. Tinha saudade de receber um sms de 'bom dia' todas as manhãs e um telefonema de 'boa noite' antes de dormir. Ela tinha planejado seguir em frente e já estava com meio caminho andado quando ele apareceu e fê-la retroceder.
Ela não queria aquilo que fazia. Ela queria o impossível, queria ele. Queria um abraço e um beijo dele. Mas sabia que um não cabia na vida do outro.
Conversaram pelo telefone e ele sabia exatamente como ela se sentia. Ela desligou rapidamente e refletiu sobre a vida. Ocorreu-lhe que talvez aquele fosse o destino dos dois: conhecer-se, separar-se, seguir em frente e depois encontrar-se de novo. Quando isso acontecesse, não haveria mais obstáculos. Ela seria maior de idade e ele estaria formado na faculdade. Tudo voltaria ao normal. Ela sabia que ele era o que deveria ser e sabia que ele o seria para sempre. Por isso, decidiu esperar pelo futuro.

Nunca Acaba

Ela tinha ido acampar com os amigos. Estava no meio do nada, em uma fazenda a algumas horas de casa, deitada em uma lona estendida na grama do lado de sua barraca. Jogava no celular.
Ele saiu da barraca e perguntou por que ela estava deitada do lado de fora se estava jogando no celular. Ela respondeu que gostava do céu.
- Como pode você gostar do céu e estar virada de costas pra ele bem na hora em que as estrelas aparecem?
- ...Estrelas?
Ele se deitou ao lado dela. Ela guardou o celular e ficou maravilhada na hora em que viu o céu, repleto de estrelas. Não era o céu preto que se via em São Paulo. Era um céu com pontinhos brancos e brilhantes e que se estendia até o infinito.
- Isso é bem melhor que um celular - ela disse.
- Se existir vida em outro planeta, esse céu que estamos vendo agora é o mesmo que as pessoas de lá vêem. Essa é a beleza de olhar pro céu: não saber onde acaba, saber que nunca acaba.