sábado, 15 de dezembro de 2012

Mundar o Mundo - parte III


Um adolescente enraivecido e rebelde, que queimou todos os seus livros, comprou, um dia, tinta colorida em spray. "Livros não mudam o mundo!", ele escrevia nas paredes. "LIVROS NÃO MUDAM O MUNDO!", ele gritava para que todos escutassem. Tantas vezes ele o fez, que acabou acreditando na própria pregação. Assistia filmes dublados para não ter que ler legendas e dispensou a faculdade para tocar numa bandinha de alguma coisa alternativa chamada Mundanos Imundos.
Um dia, andando pela rua, o protagonista dessa história foi parado por um executivo. Ele era negro, alto e forte o suficiente para ser boxeador. "Dei um soco em você uma vez", o homem falou.
Os dois partilharam a história, da parede na frente do banco, de uma gangue pichando sobre livros nas paredes de São Paulo. "Livros não mudam o mundo", era o que o protagonista se lembrava.
"Uma pena que a frase estivesse incompleta", lamentou-se o executivo.

Mundar o Mundo - parte II

A história continua alguns anos depois, quando a criança sedentária acabara de se transformar em um adolescente preocupado em mudar o mundo, engajado em projetos sociais. Ele estava sentado em uma calçada, lendo Kafka, quando viu cinco marginais picharem em uma parede branca recém-pintada:
"Livros não"
Como todo bom adolescente preocupado em mudar o mundo e engajado em projetos sociais, este veio explicar aos marginais que não se deve pichar paredes. Depois de um leve soco no nariz que o derrubou no chão, ele ficou sozinho com a parede pichada.
"Livros não mudam o mundo!"
A lembrança veio forte como se tivesse acontecido no dia anterior, de uma parede na frente do banco, de cinco marginais, da mãe reclamando do Brasil. A charada da infância inteira! Era aquilo? Que livros não mudam o mundo?
Kafka acabou ficando jogado aos pés da parede.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Mundar o Mundo - parte I

Essa é a história de uma criança obesa, sedentária, dessas que pensam que livros são feitos para grudar meleca de nariz e as palavras são de enfeite. Ele acordava, dirigia-se à sala de estar e assistia televisão. Depois do almoço, jogava, em seu videogame de última geração, alguma coisa violenta em que ele fosse o dono do mundo.
Um dia, essa criança estava fazendo bolinhas de meleca de nariz e grudando no banco do carro enquanto esperava a mãe voltar do banco. Cinco marginais apareceram e picharam a parede:
"Livros não"
A mãe voltou, sentiu repulsa da cena e comentou que por causa de gente como eles o Brasil não ia para a frente. Ela ficou feliz de ver que o ato de vandalismo tinha sido interrompido por policiais e a frase que seria pichada ficou incompleta. Na cabeça daquela criança, formou-se uma charada.
Ele anotou as palavras num papel que ficou colado na porta do quarto.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sentido

Acordar seria dormir, e dormir seria acordar; não os conceitos trocados, só o significado relativo. Acordar seria entrar em um estado de sonho, onde somos donos das nossas vontades, temos ambições e vemos as coisas irem e virem, e dormir seria a realidade, em que as coisas sempre acontecem de um jeito diferente. Faz sentido, a vida não ter que passar tão rápido. Faz sentido, o céu nem sempre ter que ser azul, e a gente poder morrer mais de uma vez. Faz sentido não fazer sentido nenhum. Uma vez escutei alguém dizer que o sonho é a vida e a vida é o sonho, e, parando para pensar, por que não?