terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A virada de um ano

O ano passara e Elizabeth nem vira. Parecia-lhe que fechara os olhos em janeiro e os abrira em dezembro. 
Ela tivera um ano difícil.
Fora despedida. Perdera dois primos em um acidente de carro. Precisara se mudar para um lugar menor porque o novo emprego não tinha um salário tão bom quanto o primeiro. 
Quando se está ocupado, o tempo passa rápido. Elizabeth estivera o ano todo ocupada lamentando-se dos acontecimentos ruins de sua vida.
No dia 31, ela entrou no minúsculo banheiro de seu apartamento sozinha com alguns cosméticos.
No dia primeiro, ela saiu do minúsculo banheiro com cosméticos espalhados pelo corpo inteiro. E uma atitude nova. E um ingresso para uma festa com os amigos.
No ano seguinte, Elizabeth fez tudo diferente. Não consultou psicólogos e nem tomou antidepressivos. Foi curada pelo sopro de vida da novidade. Um ano inteiro, com um cronômetro voltando pro zero e começando a contar de novo. É muito difícil encontrar alguma coisa no mundo tão revigorante quanto a virada de um ano.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Eva

Explodiu. Uma grande explosão colorida de sorrisos vívidos. No começo, o mundo estava um pouquinho borrado, mas depois, ficou fácil enxergar a dança de pseudos. Pseudônimos, pseudo-saúde, pseudo amigos, tudo ilusório.
Nas sujas ruas da imunda São Paulo, cada rosto empoeirado empoleirado em alguma esquina cheirava a perigo - e isso era bom. Os saltos faziam barulho no cimento das calçadas e chamavam atenção. O enorme cabelo cacheado esvoaçava e tocava de leve em algumas pessoas. O curto vestido deixava claro que se tratava de uma Mulher, com M maiúsculo. O batom vermelho dizia "siga-me", e, francamente, quem resiste a um belo par de olhos castanhos?
Pseudônimo Eva. Saudável por fora, lindas pernas, sorriso branco, seios fartos. Bomba, dentadura, silicone. Os amigos com quem ela andava eram seus clientes. Eles a seguiam até onde quer que ela fosse - qualquer lugar vazio - e tirasse a dentadura para mostrar suas demoníacas presas e se alimentar de seu sangue e dinheiro.
Eva, colorida, sorridente e vivaz, era a prova viva de que as aparências enganam muito.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Corpos vazios - parte II

Certa vez, o gerente da Plano Espiritual, Deus, precisou se ausentar da fábrica durante uns dias. Antes de ir, Ele separou uma alma para cada humano que seria fabricado durante o período de sua ausência.
Os controladores deveriam envelopar as almas e inseri-las nas mães; por não estarem acostumados a lidar com almas envelopadas (que são extremamente teimosas e fujonas), decidiram plantá-las no ventre das mães depois que já tivessem terminado completamente de fabricar os humanos.
O único detalhe foi que eles esqueceram dessa parte.
Envelopes vazios foram depositados em todos os humanos que nasceram nessa época.
O erro passou despercebido, uma vez que almas fujonas podem plantar a si mesmas em qualquer lugar. Passado tempo suficiente para que os bebês sem alma se transformassem em adultos, observou-se, no mundo, uma tendência muito estranha: o extermínio de humanos, cometido e defendido pelos próprios.
O Departamento de Investigação precisou puxar históricos de todas as almas que residiam na Plano Espiritual para descobrir o que acontecera e o porquê. Isso levou seis anos e custou seis milhões de vidas.
Ninguém, nem na Plano Espiritual, nem em algum universo paralelo e muito menos na Terra, tem o poder de devolver vida a corpos mortos - mas o Departamento de Segurança pôs um fim no Holocausto.
Quando o líder desse programa tirou a própria vida - outro trabalho dos controladores - nada saiu de dentro dele para retornar à Plano Espiritual, comprovando ser um corpo desprovido de alma.
As almas das vítimas dessa falha foram recompensadas com novas vidas terrenas, que viveram com paz e saúde. Foi uma forma de pedir desculpas a elas por tanto sofrimento. Além disso, toda vez que retornam à Plano Espiritual, participam ativamente da montagem de novos humanos.
Após esse episódio, a linha de montagem foi aperfeiçoada e trabalhos em conjunto entre a Plano e alguns humanos (com destaque a um brasileiro chamado Francisco, vulgo Chico) trouxeram à tona a existência de almas com consciência e independentes de corpos.
Dizem que a alma endereçada ao menino Adolf foi envelopada e depositada em alguém que viveu na Terra e disseminou o amor durante longos anos, fazendo trabalhos voluntários, junto com corpos que continham as almas das vítimas dos homens de corpos vazios.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Corpos vazios - parte I

Um modo muito simplificado de compreender o mundo é enxergá-lo como uma linha de produção macroscópica. Para explicar essa teoria, vou admitir 1) que Deus existe e é responsável pela criação do homem e 2) que, antes de existir na Terra, existimos em um plano espiritual. Então:
A Plano Espiritual é a fábrica de humanos que tem um contrato eterno com a Terra. Quando um novo humano é encomendado, envia-se um envelope contendo uma alma do Departamento de Almas (que só pode ser acessado pelo fundador e gerente da fábrica, conhecido como Deus) para o Departamento de Montagem. Lá, controladores trabalham durante nove meses para que o novo humano se desenvolva, de acordo com suas características espirituais, dentro do ventre de quem o encomendou. Terminações nervosas, coração batendo, tudo isso são os controladores trabalhando. A alma é a primeira coisa do processo, inserida na mãe quando o bebê ainda é um microscópico embrião. Ela fica em estado de latência. Quando entra em contato com o ar e o bebê respira o primeiro sopro de vida da Terra, ela acorda e se desliga do canal de contato com a Plano Espiritual. A vida mundana será uma fase de aprendizado para essa alma que não se lembra de nada relacionado ao mundo de onde veio.

domingo, 15 de setembro de 2013

Todos os dias

Ele se lembrava do começo do relacionamento, em uma festa, e de toda a linha do tempo estabelecida durante o ano que se seguiu. Fotos juntos, declarações em público, planos de vida, promessas e os rios de gargalhadas e carinho, ele via tudo claramente. De repente ele se lembrava que ela o olhava com desapontamento, passava dias em silêncio e não o queria mais. Então, alguém o acordava. Ele olhava para o lado e ela estava lá, colega de classe na faculdade, sem saber que ele existia, intangível. Todos os dias, ao vê-la, ele sonhava a mesma coisa.

domingo, 18 de agosto de 2013

Livros-consciência

Houve uma época em que, ao nascer, cada pessoa ganhava um livro em branco. Assim que começasse a tomar as próprias decisões, o livro começava a escrever em si mesmo, e a história que ele continha era a da vida de seu dono, de modo que o final dela sempre seria o momento presente daquela pessoa. 
Cada decisão da história de todas as vidas, nessa época, era documentada, e para descobrir tudo sobre a vida e os pensamentos de alguém, bastava ter seu livro em mãos.
Estes livros, infelizmente, tornavam as pessoas muito influenciáveis. Como era possível prever as ações premeditadas de alguém, também era muito fácil saber como persuadi-las. A solução foi transferir seu conteúdo para algum lugar individual.
Assim, as próximas gerações deixaram de ganhar livros e passaram a ganhar consciências. Suas autobiografias agora eram pessoais e intransferíveis, intangíveis, de modo que só seriam compartilhadas com quem elas escolhessem. 
Em um futuro distante, cientistas descobriram a historia da origem das consciências e começaram uma busca pelos livros de antigamente.
Os livros-consciência, aparentemente, não tinham sido extintos: tinham sido adaptados para não revelar a identidade de seus donos e, depois, publicados. Cada um dos livros do mundo, então, era uma consciência. Todos os livros publicados seriam consciências de pessoas que não ligariam se fossem lidas e cujas idéias seriam repassadas para outras.
Por isso, se aconselha três coisas para cada humano: ter um filho, plantar uma árvore e.. Escrever um livro. Escrever uma consciência. Ser um livro aberto. O senso comum de todos os humanos se desenvolveu porque todos se fizeram a mesma pergunta quando souberam da historia das consciências: se nossas autobiografias se escrevessem sozinhas, o que estaria publicado nelas hoje?

sábado, 3 de agosto de 2013

Odiava a si mesmo

Era uma besta, de dois metros e dez de altura e duzentos quilos. Ele tinha cicatrizes no corpo todo e a pele áspera e impenetrável. Não podia mais andar na rua porque as pessoas ficavam apavoradas ao ver tamanha aberração. Era um homem extremamente infeliz, por ser tão diferente de todos os outros, tão fora do padrão. Odiava Deus fervorosamente por tê-lo feito passar por essa vida tão medíocre e condenada ao anonimato ou a testes laboratoriais e manchetes sensacionalistas chamando-o de monstro.
Certo dia, encontrou uma moça delicada e pequenininha que, sorridente, dizia que amava homens altos, fortes e com cicatrizes de guerra. 
Ao ganhar um beijo dela, ele se transformou em um homem como todos os outros, de estatura, peso e aparência medianos. Sua pele ficou macia e suas cicatrizes sumiram. A moça ficou desiludida com o que ele era e o que passou a ser e o abandonou.
Era um ser humano, de um metro e oitenta e noventa quilos. Ele tinha uma pele suave e macia. Quando andava na rua, as mulheres ficavam encantadas.
Era um homem extremamente infeliz, por ser tão igual a todos os outros, tão dentro do padrão e principalmente por ter perdido o amor de sua vida. Odiava Deus fervorosamente por tê-lo feito passar por essa vida tão medíocre e condenada a ter a aparência que sempre quis e, ainda assim, viver uma vida vazia.
Odiava a si mesmo e às circunstâncias de sua vida, por ter desejado mudar sem perceber que aquela característica que ele odiava era o que o tornava tão especial para alguém.

domingo, 28 de julho de 2013

Sobre o poder das crenças

No Brasil inteiro, é comum amarrar no pulso ou no calcanhar uma fita fininha do Senhor do Bonfim da Bahia e dar três nós, que correspondem a três pedidos. Segundo a sabedoria popular, a fita se arrebenta quando os pedidos se realizarem. Essa história é sobre o poder das crenças.
Era uma vez um casal que se separou jovem, depois de muito lutar pelo relacionamento, por força do destino que os impedia de ficar juntos. Ao ficar sem recursos para trazê-lo de volta, a garota amarrou no pulso uma dessas fitas e desejou três coisas que o trouxessem de volta no futuro. Era a última tentativa.
Eles não mais se viram, não se falaram, não souberam o paradeiro um do outro. Quinze anos se passaram e a fita vermelha ficou suja e puída, mas não se partiu. A garota nunca esqueceu dos pedidos que fez e nem do ex namorado, e não cortou a fita porque a esperança é a última que morre. 
Um dia, ela saiu, à noite, e quando chegou em casa a fita tinha caído. Apesar disso, ela continuou determinada a ir atrás dele de qualquer jeito que pudesse. Acreditava que querer significava poder.
No dia seguinte, ela viajou de férias. Ao chegar no aeroporto da cidade aonde ia ficar, encontrou o ex namorado. Eles se abraçaram profundamente, e toda a saudade do mundo já não era mais nada comparada à força do sentimento que os unia. 
Dois anos depois, no dia do casamento dos dois, ela pôs o noivo a par da história da fita. O primeiro nó foi o desejo de reencontrá-lo. O segundo, na intenção de que os dois revivessem o antigo amor. O terceiro foi a vontade de viver feliz para sempre, com ele.
A fita foi encontrada no jardim da casa dela e guardada por sua mãe, e, hoje, está emoldurada e pendurada no quarto do quinto filho deles.
Essa é uma história sobre o poder das crenças.

domingo, 30 de junho de 2013

Tudo o que precisa acontecer

Sempre foram um e o outro, outro e um, juntos. Desde os onze anos, os dois cultivaram um namoro que cresceu com eles. Um dia, antes do fim do Ensino Médio, ela precisou se mudar de estado. 
Mas houve um detalhe, uma promessa. Dele, para com ela. "Se algum dia a gente se encontrar de novo, nunca mais eu deixo você ficar longe de mim". 
Tratava-se dos anos 70 - não existia nenhum telefone nem e-mail que pudesse mantê-los em contato. 
Ela anotou o endereço dele para mandar cartas - antes que a primeira chegasse, ele se mudou de casa. Perderam o contato.
Cresceram na vida, conheceram pessoas, rodaram o mundo, tornaram-se profissionais de áreas completamente diferentes. Cada um fez de si o seu melhor. Aos 30 anos, tinham carreiras de sucesso e toda a segurança financeira com a qual todo mundo sonha.
Ela foi convidada para trabalhar em um hospital novo de um amigo, e, quando abriu o envelope com o novo logotipo, viu a conhecida assinatura.
Foi fácil encontrar o endereço, foi fácil reconhecer, nele, o rosto que ela havia há tanto tempo deixado pra trás.
Vinte anos depois, num país estrangeiro, estavam os dois juntos de novo. A promessa foi, finalmente, cumprida: levou dois meses para ficarem noivos e seis para o casamento acontecer. Três filhos, sete netos e a prova de que tudo o que precisa acontecer acontece.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A coisa mais importante da vida

"A coisa mais importante da vida é ter certeza. Achar não existe, meu pai sempre me falou! É uma questão de lógica, parem para pensar: tendo certeza de alguma coisa, a gente elimina todas as possibilidades de ser surpreendido; achando, a gente reconhece que talvez erre, e, se levarmos em consideração a lei de Murphy, achar é ter certeza de que estamos errando. Se pode dar errado, segundo a lei de Murphy, ela vai dar errado. Países vão à falência por não ter certeza. Levem isso para a vida, tenham certeza de tudo o que vocês fizerem."


Um dos meus professores me disse isso hoje - tenho certeza que ele mudou minha vida pra sempre.

domingo, 19 de maio de 2013

Afogamento

Displicentemente, tira a roupa. O maiô preto fica. A touca, displiscentemente jogada na cabeça. Displiscentemente, atira-se na água. Uma braçada, duas braçadas, três, respira. Uma braçada, duas, três, respira. Uma, duas, três, respira. Vira, volta. Uma, duas, três, respira. Uma, duas, três, respira. Fim. Vinte mergulhos. Tudo de novo. Cada braçada é um problema - cada respiração, uma solução. Braçada, respiração, braçada, respiração.. Uma, duas, três, quatro, cinco.. Seis.. Dez.. Onze.. Dessa vez não houve mais respiração.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Teoria das nuvens gêmeas

Quando a gente nasce e vai crescendo, adquire uma nuvenzinha colorida em cima da cabeça. Uma nuvenzinha invisível a olho nu.
Para os 7 bilhões de pessoas do mundo de hoje, existem 3,5 bilhões de cores diferentes de nuvenzinhas. Isso acontece para que cada nuvenzinha encontre seu par.
O porquê de ser uma nuvem é facilmente encontrado: as nuvens são maleáveis, brandas, delicadamente carregadas pelo vento. Assim, cada nuvem (que já nasce especialmente para uma outra e já conhece a sua localização) espera o vento bater, para ser levada, devagarinho, para o ponto de encontro previamente combinado com a outra.
Quando a gente pensa com cuidado nessa teoria, percebe que ela faz todo o sentido. As nuvens do céu, um dia, foram ou serão de alguém. Elas estão juntas, grudadinhas, combinando pra onde cada uma vai e onde vão se encontrar. Quando decidem, elas estão prontas pra chover.
A teoria das nuvens gêmeas também explica o porquê de tantos relacionamentos que não deram certo; às vezes, nossas nuvens confundem um pouco as cores umas das outras. Nuvens de cores diferentes convivem por um tempo, mas, inevitavelmente, se separam. Nuvens de cores diferentes não podem fazer chover. Só quando a nossa nuvem encontra a nossa nuvem gêmea, a gente fica completo. Até lá, a gente precisa ter paciência e entender que até as nuvens se enganam, e que, mesmo que inconscientemente, existe uma nuvem que nasceu pra gente. E mais dia, menos dia, a gente vai sentir a tempestade do encontro das duas.

domingo, 28 de abril de 2013

É ciência

Às vezes ouço dizer que o mundo está acabando. Parece que está, quando a gente vê pessoas morrendo de fome, terremotos, furacões, guerras, doenças incuráveis e atentados à vida humana.
Só que também tem aquilo que a gente não presta atenção: crianças que nascem, trabalho em equipe para recuperar as catástrofes naturais, novas curas para doenças e gente que passa devagar com o carro nas poças de água para não molhar os pedestres.
O mundo precisa ser equilibrado. Para novas vacinas, precisam existir novas doenças; para as construções, precisam existir terremotos; para a vida, a morte; para as dificuldades, sorrisos.
Para cada erro, existe um novo acerto, e a resposta desse acerto será sempre um novo erro. E assim, sucessivamente. A Terra chacoalha (mesmo que a gente não sinta) porque, assim, tudo volta pro seu devido lugar. Tudo o que deve voltar, volta. É ciência.

sábado, 27 de abril de 2013

O fim que estava no meio

Todas as histórias bonitas que conhecemos têm a mesma estrutura: um começo em que tudo é perfeito, um meio que ameaça a felicidade dos personagens e um fim onde as virtudes vencem os pecados e a força que vem do coração é bem maior do que qualquer mal que possa existir.
Essa é a história de uma história cujo fim estava no meio.
Como todo começo de história, esse também foi uma doçura. Ele estava repleto de sinos em colinas, pássaros no céu, música e lindas rosas.
Porém, quando a felicidade dos personagens foi ameaçada e o mal se mostrou presente na vida, a doçura se foi e as linhas já escritas da história se tornaram insossas.
Os sinos nas colinas pararam de tocar, os pássaros no céu tiveram as asas cortadas, a música silenciou e as rosas murcharam.
Mas eles nunca voltaram ao normal. A história parou de ser escrita e a alegria se transformou em uma amarga sobrevida.
Essa é a história de uma história cujo triste e trágico fim estava no meio.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Escuridão prolongada

Havia o dia, e então, não houve mais. De repente, parou de amanhecer. Cinco, seis, sete da manhã.. E a lua no céu, no mundo todo, a noite toda. A semana toda. O mês todo.
As plantações morreram, as pessoas não conseguiam ficar acordadas, o frio tomou conta da vida. A pecuária declinou. As pessoas tinham medo de sair na rua. Certo dia, como as luzes da rua ficavam acesas sempre, a energia acabou.
O mundo todo recorreu à religião; é o que todos fazem quando todo o resto está perdido. Todas as noites, ouvia-se sussurros de 7 bilhões de pessoas pedindo que, por favor, o dia amanhecesse de novo.
No dia em que finalmente amanheceu, todas as pessoas estavam assistindo e chorando de emoção. Foi como renascer. Desde então, todos os dias, 7 bilhões de pessoas agradecem todos os dias pela luz e o calor da vida e aproveitam tanto a claridade quanto aprendem com a escuridão.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Empurrãozinho

Começou em uma confeitaria muito famosa na França. Um turista alemão estava fotografando o local e uma turista espanhola sorriu para a foto. No dia seguinte, por acaso, os dois se reencontraram lá. No terceiro reencontro, decidiram dar uma chance ao destino. Essa foto se tornou um namoro, que virou um casamento, seis filhos e uma casinha do lado da confeitaria, onde todos os dias os dois comiam um docinho para se lembrar que algumas coisas acontecem por acaso e só precisam de um empurrãozinho da gente.

sábado, 23 de março de 2013

As Três Marias

As Três Marias são o conjunto de estrelas que forma o cinturão do caçador da constelação de Órion.
Isso para quem está na Terra.
Para quem está nas Três Marias, elas são prédios comerciais onde funciona o setor administrativo da seção noroeste da asa sul da zona norte da porção ocidental do universo.
Tudo que existe segue uma ordem que precisa vir de algum lugar e essa é a função das Torres Trigêmeas, as Três Marias. Funciona mais ou menos como na Terra: para eclipsar um astro, é preciso agendar com antecedência: esse tipo de espetáculo requer alto planejamento artístico. Para transporte de estrelas, paga-se uma taxa.
O Departamento de Natalidade e Mortalidade Celestial funciona como uma torre de controle: impede que determinados corpos celestes se choquem e promove o choque de outros. Ele trabalha em associação com o Departamento de Química Criacional, onde as explosões dos choques entre os corpos celestes são analisadas e modificadas para criar ou destruir outros corpos.
Este departamento tem desavenças com o Departamento de Estudos das Invenções Humanas, que, no momento, está criando corpos celestes geneticamente modificados que não entrem na rota de colisão com os planetas.
Ninguém sabe onde fica o Departamento de Criação e nem quem trabalha nele. Sabe-se que as Torres Trigêmeas começaram a partir dele, e todos os planetas também. De vez em quando, a Presidência recebe um memorando de lá. Algum humano andou pelas redondezas em alguma nave espacial maluca dessas da Terra.
O setor de Estudos dos Terráqueos do departamento de Psicologia dos Povos está, no momento, fazendo testes para ver como os humanos se comportariam se soubessem toda a verdade sobre o céu, como eles sempre sonharam.
Cada uma das estrelas de Órion era antes uma cidade; com o passar do tempo elas se desenvolveram tanto que viraram uma constelação, uma megalópole. O mesmo aconteceu com as outras constelações. Cada uma delas tem uma função diferente no universo: a de Andrômeda abriga o setor de Recursos Humanos e a Ursa Maior é a Diretoria.
Toda vez que alguém olha para o céu e consegue enxergar várias estrelas, é porque o chefe do departamento de Visibilidade está de bom humor. Cada uma dessas estrelas abriga populações inteiras, quem diria? Quem diria que as estrelas cadentes são na verdade memorandos?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A dieta da felicidade

Era uma vez uma jovem adulta, acima do peso, que adotou a segunda teoria: é preciso morrer, então é melhor morrer comendo o que se gosta. Surpreendentemente, ela emagreceu. Os cientistas, intrigados, pesquisaram durante semanas. Descobriu-se, então, que a dieta mais apropriada para os humanos era comer o que gostavam. A dieta da felicidade.
A dieta da felicidade ocasionou uma crise econômica mundial (porque a quantidade de pessoas que amam chocolate não é exatamente a mesma das que amam jiló).
Todo o conhecimento sobre nutrição foi destruído e tanto os estudiosos quanto os leigos perceberam que o que faz bem de verdade é o que a gente gosta.


(Essa história é ficcional.)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A experiência

"Eu estava no corpo de uma mulher que sabia que a hora da morte chegara. Estava sentada, protegendo a barriga, sob a mira de uma faca. Ela entrou certeira, a dor foi excruciante. Mais uma vez. Então, eu percebi que havia alguma outra coisa além da dor das facadas: sofrimento por dois. Eu estava grávida e fui assassinada a facadas."


História real

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Mundar o mundo - parte IV

"Existe uma ação chamada mundismo. A Terra suporta os humanos há tantos anos porque nem sempre fomos assim, tão.. Desenvolvidos. Do jeito que as coisas vão hoje, não se sabe se ela aguenta mais 40, 400 ou 4 bilhões de anos. É esse o meu trabalho: o mundismo é a consciência de que estamos todos no mesmo planeta, essencial para que possamos viver no universo. O lixo precisa ser reciclado, bicicletas precisam ser mais usadas que carros, o dinheiro precisa ser mais bem distribuído e os livros precisam ser mais lidos. Essa é a principal base da nossa doutrina: livros não vão mudar o mundo. Nem mundá-lo. Livros vão causar mudanças e mundanças nas pessoas. E elas serão responsáveis por fazer isso."
Um homem só se forma por completo quando mata todas as charadas da infância que teve. Este dispensou a banda, matriculou-se na faculdade e pichou todas as ruas que pôde, durante o resto da vida, com mensagens sobre a doutrina mundista. Alguns bilhões de anos depois, ele teve uma estátua digital erguida em sua homenagem, na ultramegalópole de São Paulo, e outros jovens seguiam seu exemplo escrevendo nas paredes virtuais a mesma frase: livros não mudam o mundo. Livros mudam pessoas. Pessoas mudam o mundo.