sexta-feira, 25 de maio de 2012

Baleia

Era enorme e tinha o corpo liso. Ficava olhando aquelas criaturinhas coloridas que andavam fora d'água e faziam todo o possível para serem aquáticas também. Às vezes, ela as via no céu, imitando os pássaros. Eles se chamavam humanos, ela sabia, e ficava ofendidíssima quando a chamavam de "baleia": uma tonelada e meia é um ótimo peso quando se tem cinco metros de comprimento.
Lá estava uma humana, voando, voando, planando. Mas o espaço aéreo pertence aos pássaros e não foi surpresa que um deles cruzasse o tecido que a mantinha no ar. E ela estava caindo, caindo, girando e esperneando. A baleia nadou, nadou e abriu a boca. A coisinha colorida e frágil caiu em cima de sua língua - caberiam mais umas setecentas daquela dentro da boca da baleia.
Ela se contorcia na boca da baleia, que não sentia nada além de cócegas e nadava tranquilamente em direção à costa, e às vezes ia até a superfície e abria a boca para que a moça pudesse ver que ainda estava viva e respirar um pouco. Foram alguns minutos de viagem, e a enorme baleia branca abriu a boca para que a moça pudesse sair em segurança na praia e ir embora, seguir em frente com a vida.
Mas o espaço terrestre pertence aos humanos e não foi surpresa que alguém com uma tonelada e meia e cinco metros de comprimento ficasse encalhada. E ela estava barbataneando (poderia espernear, mas não tinha pernas). A moça correu, correu e abriu os braços. Se esfregou no corpo molhado da baleia, e, em poucos minutos, vários humanos coloridos e frágeis estavam fazendo a mesma coisa. Vários, muitos, inúmeros.
Quando ela finalmente poderia ser levada pela correnteza, a moça mostrou todos os dentes. Não como faziam os tubarões, para morder; a baleia sabia que humanos faziam isso de felicidade (sempre ao contrário, esses humanos).
É sempre bom ver que alguns humanos se mancam de tentar dominar o mundo, pensou a baleia. Afinal, cabiam umas setecentas coisinhas daquela dentro de sua boca.

domingo, 20 de maio de 2012

Cinderela




Os pais de Nícolas e Júlia já eram amigos muitos anos antes de eles nascerem, e, coincidentemente, tornaram-se vizinhos. Os filhos nasceram na mesma época e cresceram juntos; passaram por todas as fases que crianças de sexos opostos passam: primeiro, a de não saber a diferença, depois, a de ter nojinho, e, aos poucos, a de perceber que pode vir muito a calhar ter um amigo do sexo oposto.
No aniversário de 5 anos de Júlia, ela ganhou de Nícolas uma casinha de plástico com a Cinderela e seu príncipe. Brincaram juntos com ele até os 12. Depois, brincavam de videogame, depois, de passear pela cidade, e um dia, finalmente, brincaram de se apaixonar. E noivaram.
Ela resolveu se casar de azul, sempre lembrando da Cinderela e do Príncipe, que faziam parte da história dos dois. Os meses se passaram, e uma semana antes do casamento, a única coisa que faltava era o enfeite do bolo. Júlia cansou de chamar e ficou magoada; que tipo de marido seria um noivo que não estava nem um pouco preocupado em comprar um enfeite para o bolo do próprio casamento? (Como toda mulher quando se chateia, ficou calada, zangada por ele não adivinhar o motivo.)
No dia do casamento, os noivos mal se falaram. Ele saiu cedo de casa e ela foi ao salão de beleza com as madrinhas e a mãe. Chorou desesperadamente porque não teria um enfeite para o bolo. Às oito da noite, mesmo assim, ela estava chegando à igreja, os cabelos loiros num coque e um vestido azul que fariam a verdadeira Cinderela ter uma crise de identidade. Dissimulava-se como Capitu, fingindo que estava totalmente realizada.
Juro a vocês que foi coincidência, que ninguém sabia de nada. Quando Júlia-Cinderela entrou pela porta, espantou-se tanto quanto Nícolas-Príncipe: Ele, ao ver a personificação da Cinderela; ela, ao ver que o bolo tinha um enfeite, mas não qualquer enfeite: os noivinhos eram os bonecos de plástico com os quais ele a presenteara dezoito anos antes, a surrada Cinderela e o desbotado Príncipe. Naquele momento, eles souberam que pertenceriam um ao outro para sempre.

domingo, 13 de maio de 2012

Mãe

O que eu sou, há quinze anos, seis meses e sete dias, é da minha mãe, sou dela; tenho sido dela durante todo esse tempo, sempre fui e sempre serei. Minha mãe merece todo o amor desse mundo - nada mais justo, já que essa é a quantidade de amor que ela me dá - e muito mais. Eu a levaria para todos os lugares aonde fosse, todos. Eu a teria sempre do meu lado, sempre numa redoma, imortal, intocável, imune a qualquer tipo de dor e qualquer coisa que não fosse linda, perfumada e colorida. Eu a protegeria de tudo e de todos. Desejo que nada nunca possa machucar, incomodar ou entristecer minha mãe. Desejo que ela realize todos os desejos e seja a pessoa mais feliz desse mundo e que ela se orgulhe de mim como me orgulho dela, meu norte, minha heroína, meu parâmetro. Há quinze anos, seis meses e sete dias, ela tem sido minha mentora; desde o dia em que meu coração bateu pela primeira vez até o dia em que ele bater pela última vez.
E quando eu não tiver mais a companhia dela, não sei como vou viver. Como dormir sem mil beijos de boa noite? Como acordar sem mil beijos de bom dia? Quem eu vou chamar quando alguma coisa der errado? Com quem vou comemorar quando alguma coisa der certo? Pelo que eu viveria se não houvesse a minha mãe pra me dar um abraço quando eu chegasse em casa?
Minha mãe não vai viver pra sempre (pensar nisso me faz chorar, desde sempre), mas eu fui educada de acordo com os princípios dela, sou sangue, sotaque e trejeitos dela, e isso vai ficar pra sempre. Quinze, vinte, cem anos. Minha mãe não vai viver pra sempre, mas ela é eterna.



(Feliz dia das mães às mães, avós e às filhas que um dia serão mães e avós)