sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mães, Filhos e Quase-Filhos

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (...)"

Este é o Artigo 5º da Constituição Federal. Ela assegura a todos os cidadãos brasileiros o direito de escolha, o livre arbítrio.
O Código Penal Brasileiro aponta o aborto como atentado contra a vida humana, sem direito de defesa por parte da vítima (o feto abortado).
E é aí que eu vejo o conflito.
Uma mulher que tem dentro de si um feto que ela não quer, e que se tornará um ser humano totalmente dependente dela, na minha opinião, deveria ter a opção de escolher se ela quer ou não dar à luz. Só considero assassinato se o coração já estiver batendo, e isso ainda é repensável.
Uma mulher não quer um filho por dois motivos: 1) Ela não tem condições de criá-lo e 2) Ela simplesmente não quer filhos.
Se for o último motivo, duas coisas podem acontecer: 1) A criança vai para adoção e 2) Ela passa a querer o bebê na hora em que o vê, por questões de instinto.
Se uma criança vai para adoção, ela corre o risco de passar o resto da vida nesta casa de caridade e nunca ser adotada. Ela nunca terá amor paterno. Estas crianças tendem a ter sérios distúrbios psicológicos. Uma mãe que tem condições de criar o filho indesejado não aguenta: ela vai beber, se drogar, e, no fim, vai precisar de cuidados da criança, em vez de cuidar dela. E se ela quiser o bebê, quais são as chances de uma mulher que pensou em abortar criar adequadamente este filho? E se ela não tiver condições financeiras/psicológicas de criá-lo? Quantas crianças, daquelas que vão para lares adotivos, são realmente adotadas? Qual é a dignidade que uma mãe pobre, que não teve condições de pagar um aborto, tem em criar um filho com vermes, que mora na rua e vive abaixo da linha da pobreza? Qual é a dignidade que existe na miséria?
O Brasil é este país onde 4,2 milhões de crianças trabalham, 1,1 milhão não vão à escola e 16,27 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, e a legalização do aborto tem uma grande chance de modificar drasticamente essas estatísticas. Ser mãe não é para qualquer mulher e dar o filho para adoção não vai tirar a maternidade dela. A maternidade é eterna, esteja a mãe com o filho ou não. Na minha opinião, a proibição do aborto fere o livre-arbítrio das mulheres.

O outro gume da faca está aqui.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Dia da Avó

Minha bisavó paterna me contava histórias da viagem de carro do Rio Grande do Sul pra Roraima, nos anos 70, e eu acho que seria capaz de narrar com perfeição esses dezessete dias que nem vivi, se alguém me perguntasse. Ela me servia montanhas de comida no prato e sempre me dava muito chocolate. Ela me alfabetizou e dividimos a paixão por palavras cruzadas.
Minha avó materna é a pessoa que mais me ajuda. Sem ela, haveria situações que eu realmente nunca conseguiria contornar. Ela é bióloga (casa de ferreiro, espeto de pau) e toca piano. Parece rígida, mas, na verdade, é uma manteiga derretida. Nenhuma de nós duas tem senso de direção e, quase sempre, quando saímos juntas, acabamos perdidas.
Minha bisavó materna faleceu quando eu tinha dois anos de idade e a avó paterna faleceu antes que eu a conhecesse, mas tenho certeza que se tivesse convivido com elas veria muitas coisas em comum. Assim como relatei nos parágrafos anteriores.
Bem, tem problemas que os pais não resolvem e situações em que os pais não bastam. É pra isso que servem as avós, aqueles colinhos infinito e cheios de experiência com os quais a gente sempre pode contar.
(Tenho certeza que minha vó não vai ver isso, porque ela só usa o computador pra jogar paciência e fazer pesquisa, mas o que vale é a intenção. Feliz dia da avó!)

sábado, 21 de julho de 2012

Destreza

Tratava-se de uma renomada bailarina clássica, que rodava o mundo em piruetas-promenade; de um virtuoso pianista, que mudava de tom para tom na hora em que quisesse, e de uma fatídica noite em que suas artes se encontraram.
Ela entrou no palco, solitária, de nariz empinado, coque feito e encantos distribuídos.
Ele estava sentado num canto, escondido do público, acariciando com a ponta dos dedos o piano de cauda e contentando-se em moldar a dança dela.
Da ponta das sapatilhas, a bailarina encontrou, atrás do piano, o olhar do músico.
Aquele foi um dia em que o espetáculo não tratava de balé clássico, e muito menos de notas musicais. Sustentando os olhares um do outro, a bailarina girava freneticamente e o pianista tremia os dedos com velocidade pelas infinitas combinações de tecla do piano.
Ao final do espetáculo, a bailarina recebeu uma visita do pianista. Foi tocada por dedos de pianista. Foi complementada por música de pianista. E ela passava as pontas dos pés pelas teclas. Pés de bailarina, mãos de pianista. Porque dois corpos, juntos, têm muito mais destreza do que um só.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Salva-praias

Lá pelos meados da década de 2040, as pessoas perceberam que as marés traziam lixo demais às praias e causavam acidentes demais aos banhistas. O turismo do Rio de Janeiro tornou-se quase inexistente, já que não se podia mais ir à praia, fazendo com que o Brasil e o mundo entrassem em crise econômica e biológica, porque os animais também estavam morrendo com tanta poluição.
Uma mente brilhante inventou os salva-praias, que se tornaram mais importantes do que os salva-vidas. Eram milhares de pessoas que recolhiam, todos os dias, incansavelmente, todo e qualquer lixo humano que fosse trazido pela maré. Era um cargo remunerado pelo governo e que qualquer um que soubesse nadar e enxergasse bem podia exercer.
Logo, as pessoas voltaram às praias e os animais marinhos voltaram a se reproduzir. A economia mundial foi se estabilizando. Os salva-praias continuaram lá, mesmo depois que a maré parou de trazer lixo, para fiscalizar o que os turistas faziam. Elaborou-se uma nova Constituição que incorporou um artigo sobre isso: por lei, cada lixo que qualquer um deixasse na areia da praia equivalia a uma multa de 500 reais (as pessoas só sentem dor no bolso).
Durante essa crise mundial, algumas pessoas achavam que a humanidade nunca se recuperaria, mas estavam erradas. Nos recuperamos por pouco. A partir da década de 2040, os índices de pessoas que praticavam hábitos sustentáveis aumentaram drasticamente para 98%, sem nunca diminuir (em 2099, 100% da população aderiu). A moral da história? A gente só dá valor às coisas quando sabe o quanto nos custaria perdê-las.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Lugar Melhor

Imagine que você pode abrir sua cabeça como se ela fosse uma caixinha, tirar tudo o que é ruim e deixar lá, para só voltar a se preocupar depois. Imagine que você pode encostar em algum lugar e fazer o tempo ficar quietinho e se esquecer de passar.
Bem, eu posso.
Existe um lugar único no mundo, que encontrei há uns meses, onde tudo é possível, e, se não for, não me importa, porque eu poderia passar o resto da vida ali e nunca me incomodar. Não é muito grande, nem muito pequeno; o espaço é o encaixe perfeito para mim, parece ter sido feito sob medida. E tem um cheiro que (nossa senhora!) desafia tudo o que é mundano: cheiro de segurança. O melhor de tudo é que ele reage: me (re)conforta, me esquenta, cuida de mim, me abraça, me enche de beijos e sorri. Um sorriso bem bonito, daqueles de iluminar tudo. Não encontrei ainda lugar melhor do que abraço de namorado!


Hoje faço 8 meses de brodagem com o Vitor.