sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Senti-me Ameaçada

Fabrício tinha complexo de Édipo e isso era muito claro para mim. Crescemos juntos, nossas mães eram amigas e ele sempre me amara. Chegou até a me dar uns presentes de dia dos namorados, algumas vezes. Se não fosse tão estranho, seria legal.
Antes ele não falava com ninguém, depois começou a falar com todo mundo e agora está um tanto estranho. Na verdade, ele está assustadoramente estranho.
Saímos para jantar e comemorar o aniversário de uma das amigas das nossas mães. Eu, ele, a irmã dele e a minha prima sentamos em uma mesa separada e fomos jogar Uno. Ele sorria demais. Quando falava, repetia a própria fala, um pouco mais baixo. Falava muito alto. Usava muito a força física. E ele tinha um olhar vidrado como se alguma coisa importasse mais do que tudo no mundo.
Eu não entendo, ele costumava ser tão normal.. É nessas horas que a gente vê como as pessoas são diferentes umas das outras. Como era possível que Fabrício tivesse uma espécie de doença rara - ou, talvez, até desconhecida, porque, mesmo sendo filho de psicóloga, já visitara os melhores profissionais e nunca fora diagnosticado com nada além do Complexo de Édipo - e pudesse parecer um simples geniozinho adolescente perto de mim?
Estávamos jogando usando a regra do 9: toda vez que um desses é colocado na mesa, os jogadores têm que bater a mão em cima dele e o último a fazê-lo compra 4 cartas. Ele jogou. Só colocou a mão depois de mim, e minha prima e a irmã dele o fizeram em seguida. Quando elas retiraram as mãos, ele não fez o mesmo. Ficou com a mão, forte, em cima da minha, me prendendo. Ele me olhava e sorria, atento, um tanto ameaçador. Sua expressão não era mais de adolescente. Era quase como se fosse... Um assassino. Era agora um homem e estava me deixando muito apavorada. Não sei o que ele tem, mas estava olhando para mim e manifestando todos os sintomas da estranheza de ultimamente.
Tenho medo que algum dia Fabrício faça alguma coisa terrível.

Eloísa

Eu havia vindo a quase duzentos km/h até o apartamento dela, que pareceu muito, muito longe do meu. Lágrimas involuntárias e um tanto femininas escorriam dos meus olhos. Gritei ao porteiro que não me impedisse de entrar, ainda bem que ele já me conhecia. Não tive paciência de esperar o elevador, então voei nove lances de escada. Talvez com a força que a adrenalina me deu, talvez com a minha própria força, arranquei o extintor de incêndio da parede e o joguei contra a porta branca do apartamento 938.
- Isa! Eloísa! Isa?
Corri o apartamento inteiro, em prantos. Onde ela estava?
-Eloísa!
Finalmente, cheguei até a linda varanda que ela mesma projetara. Contrastando com a paisagem, enrolada em cachos ruivos, ela estava banhada em sangue e lágrimas, acompanhada de umas pílulas. Corri até seu corpo, afastei as outras coisas, puxei-a para meus braços com força, encostei minha cabeça na sua e chorei com desespero.
Ela, meio grogue, me perguntou o porquê do choro.
- Você tentou se matar de novo.
- Para o meu próprio bem, Lucas.
- Deixe de ser egoísta! E se você se matasse com pílulas? E se sangrasse até a morte? E se pulasse do nono andar? O que seus pais iam pensar? O que seria de mim?
- Como assim, o que seria de você?
- ...Sem você. O que seria de mim... Sem você.
Ela me olhou, esperando por mais. Continuei.
- Sem os cachos dos seus cabelos, sem seus projetos de casas, sem seu paisagismo, seu perfume, sua pele, sua torta de limão..
- Minha torta de limão? Ha, ha, ha.
- É, Isa. Sem sua torta de limão - Beijei seu pescoço e comecei a limpar, carinhosamente, o sangue dela de nossos corpos - Não sei por que você insiste em querer me deixar para sempre sem torta.
- Eu ia fazer torta hoje.
- Bom, agora temos uma ocupação melhor.
- Lucas! - Ela fez aquela voz que todo namorado conhece, forçando a tonicidade do meu nome e baixando alguns tons o som. Soava como se fosse "LÚCAAAAAS".
- O que? Eu estava falando de limpar a casa. Você fez uma bagunça aqui.
Ela riu e me abraçou mais uma vez. Fora a tendência suicida, Eloísa era uma garota como qualquer outra.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cícero

Cícero era loiro e tinha olhos castanhos brandos como se ele nunca se preocupasse com nada. Ele tinha um jeito protetor. Antes eu o achava chato, irritante e um tanto inconveniente, quando éramos crianças. Mas o tempo passou, eu cresci, ele cresceu, e, bem, ele continua do mesmo jeito. Só que agora, está sedutor, charmoso e, oh!, como sua presença me convém.
Quando eu contei a ele que estava solteira, ele torceu o nariz. "Isso não combina com você, sua bonequinha". Cruzou os braços, olhou para o lado, assoviou, bradou-me heartbreaker. Eu sorri, balançando um pouco o corpo. "Você tem certeza?" disse, piscando. "Tem certas coisas que combinam muito bem comigo". Dei-lhe um beijo sugestivo, baguncei seu cabelo e olhei em seus olhos. Obviamente, ele não é mais tão chato assim.

Bem-Vindo ao Inferno

O esgoto cheirava a... Esgoto. Ele estava com as roupas molhadas de andar por lá. Era nojento, escuro, frio, malcheiroso e cheio de insetos e roedores. Mas, bem, escolhera ser detetive porque gostava de sair da rotina. Não é todo dia que se entra em um esgoto à procura de rastros de um adolescente sequestrado há dois dias. Não é todo dia, também, que se recebe um telefonema oferecendo milhões de reais "pelo trabalho do melhor profissional da área".
Ele andava, munido apenas de uma lanterna, quando tropeçou e se molhou dos pés à cabeça na água cheia de resíduos. Aliás, se é que aquilo podia ser chamado de água. Ficou um tempo sentado, chafurdando, quando começou a escutar movimento. Era intenso demais para ser causado por roedores. Incorporou todos os detetives de cinema que conhecia, fez uma cara bem séria, colocou um dedo por cima da luz da lanterna para diminuir sua intensidade e moveu-se vagarosa e silenciosamente em direção ao som. À medida que avançava, ele ficava mais alto, mais constante. Quando beirou o insuportável, o detetive soube que estava perto. Parecia vir de dentro da parede. Obviamente, não era uma parede. "Ah", pensou, "que truque batido".
Tudo aconteceu num piscar de olhos. Ele havia encontrado a entrada, a porta de madeira - como não a vira antes? - se abriu, ele estava seco, cheiroso, num ambiente totalmente diferente. Alguma coisa curvilínea se movia em sua direção. Ela o tocou, espalhou seu perfume no corpo dele e, quando o detetive viu, os olhos mais azuis do mundo se divertiam, cheios de malícia. Helena era sua paixão desde sempre. Ela beijava seu pescoço, o acariciava e revirava os olhos. "Oh, Guilherme, eu senti muito a sua falta..", ela sussurrava, sedutora, em seu ouvido, enquanto o empurrava para uma superfície macia.
Guilherme era o melhor detetive que conhecia. Sempre desvendava os casos e nunca se prendia a futilidades. Mas Helena.. Ele não podia escapar. Fechou os olhos, deixou-se envolver, respirou o mais puro perfume, tocou os sedosos cabelos e beijou o pescoço mais macio do mundo. Sentiu o chão tremer, a cabeça girar e Helena parecia se distanciar. Alguma coisa o atingiu na cabeça. Abriu os olhos. Ela sumira, a cama também. O lugar fedia, era um buraco. Ainda estava com roupas molhadas cercado por roedores. Ao invés da moça, um homem de máscara sorriu amargamente.
"Bem-vindo ao inferno."

Dois Segredos

Luca, Renato, Júlio e Lúcio guardavam um segredo em relação a Gabriela. O que teria acontecido na noite anterior na casa de Luca? Ninguém sabia, e Júlio e Lúcio eram os únicos que se lembravam.Não contaram nada a ninguém.
Gabriela também não se lembrava de nada, mas tinha certeza que perdera a virgindade. Perguntou a algumas amigas o que fizera. Naquele mesmo dia, os pais de Renato receberam um telefonema: ele estava com os outros três amigos, detido, na FEBEM, onde passaram dois dias. Foram processados por estupro.
Renato foi, dos quatro, o que mais se arrependeu. Ele sofria intensamente por não poder retomar sua vida normal, por ter passado a noite com Gabriela, bêbado além do próprio controle.
Ele decidiu que viveria a vida como se nada tivesse acontecido. Pararia de se esconder, voltaria a usar o celular e nunca mais se sentiria um monstro novamente. Não fugiria do namorado de Gabriela e não comentaria com ninguém o acontecido. Ela veio confrontá-lo, era mais uma noite, e eles estavam em um bar. Estava escuro, gelado e quase vazio. Procuraram um lugar mais reservado. Beberam.
No dia seguinte, Renato já não era mais o mesmo. Agora, ele era um rapaz jovem, bonito e com futuro promissor que escondia dois terríveis segredos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Segredo

Era uma vez quatro amigos: Renato, Luca, Júlio e Lúcio. Eles eram todos jovens, bonitos e tinham um futuro promissor. Gostavam de música, luta, futebol e, principalmente, amavam uns aos outros como irmãos. Luca deu uma festa em casa. Daquelas festas de adolescente, onde se festeja nada mais, nada menos, do que o privilégio de ser jovem, bonito e ter um futuro promissor. Mas adolescentes bebem, e meninas adolescentes que bebem geralmente não prometem muito em seus futuros. Então, os meninos tinham uma amiga chamada Gabriela. Ela bebia, e bebia muito. Nessa noite, o fez em dobro. O que aconteceu depois era uma incógnita. Ninguém se lembrava de nada, e muitas versões da mesma história surgiram da noite para o dia. Eram quatro amigos jovens, bonitos e com futuros promissores, aos olhos de todas as outras pessoas da escola onde estudavam. Exceto que escondiam um terrível segredo.

Sobre Amizade

Cecília e Vítor eram melhores amigos. Daqueles loucos um pelo outro, que todo mundo acha que namoram. Um dia, Vítor arranjou uma namorada. Ela era mais velha, ciumenta, e acabou proibindo-o de falar com a amiga.
Eles brigaram, bem feio. Cecília não entendia por que Vítor não podia mais ser amigo dela. Foi tirar satisfações, levou uma resposta atravessada. Ficou muito magoada. Vítor, por outro lado, também estava magoado. Ele amava Cecília, mas amava a namorada de um jeito diferente - e, na sua cabeça, o que estava fazendo valia a pena.
Dois anos se passaram na mesma situação. Cecília olhava para Vítor,Vítor olhava para Cecília e nada nunca acontecia. Talvez nada nunca fosse acontecer.
Cecília estava debruçada na sacada da escola quando foi abraçada por trás, com carinho. Era Vítor. Ela se virou e os dois se abraçaram como se não houvesse mais nada no mundo. Foi um dos momentos mais profundos que se pode imaginar. Ele pediu desculpas e ela chorou um pouco. Voltaram a se falar.
Alguns dias depois, estavam na escola, conversando, na hora da saída, quando a mãe de Vítor chegou. Ele deu um beijo na bochecha de Cecília.
- Você sempre vai ser minha melhor amiga.
- Eu nunca pensei que fosse sentir falta de alguém como senti a sua. Ainda bem que agora tenho você de novo.
- Não precisava nem falar, Cecí. Eu já sabia.
- Bossal.
- Ah, pára com isso. Vem cá.
E eles se abraçaram de novo. Aquela amizade não tinha preço.


Baseado em fatos reais

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Parte de Mim


Eu precisava fazer uma postagem no blog sobre o Capital Inicial e parabenizar a banda pelo show no Rock in Rio, que, depois de dez anos sem apresentações e com um repertório antigo, conseguiu levantar duzentas mil (e duas, se contarmos comigo) mãos. Não escondo, sou louca L-O-U-C-A pelo Dinho Ouro Preto e ele é minha inspiração. Quase tive um ataque cardíaco quando ele pegou água para um dos fãs. Foi muito carismático. E ter cantado 'Que País é Esse?' dedicando pro José Sarney foi uma sacada de mestre. A banda tem quase trinta anos e continua fazendo sucesso, isso é incrível, e três dos quatro membros originais continuam em atividade. Só queria colocar isso aqui porque quero que o blog reflita minha personalidade, e Capital é uma parte dela. Capital é uma parte de mim.

Vivo

Em algum lugar por trás do letreiro de Hollywood, o sol se punha. Exatamente atrás do 'H' do letreiro, Heitor estava sentado. Sentia o coração prestes a explodir, como um mar de luzes de telefone celular. Ele crescera no meio de acrobacias, flashes, paparazzis, dinheiro, mansões e carros de vários milhões de dólares. Subia tanto em palcos como em telhados, gritava e as pessoas dançavam, pegando fogo, até decolarem como máquinas de foguetes. Mas Helena chegara, e eles estavam sozinhos, naquela noite. Pelo menos naquela noite, era só estenderem os braços e tocarem o céu. Ele sentia-se vivo.

O Pianista

Era uma vez um menininho que tocava piano como ninguém. Seus dedos deslizavam nas teclas com a facilidade de um giz de cera deslizando numa folha de papel. Ele cresceu e tornou-se um pianista clássico renomado; todos o conheciam. Estava no auge de sua carreira.
E então ele ficou surdo.
As pessoas comentavam sobre como a vida havia sido cruel com o pianista, em torná-lo surdo. Ele parou de se apresentar por uns tempos. Foi como se tivesse morrido. Ninguém mais ouviu falar dele.
Até que um dia, algumas pessoas em algumas partes do mundo ligaram a televisão e viram o jovem, sorrindo, fazendo o que fazia melhor: tocando piano. Lágrimas escorriam de seu rosto. Ele compôs música. Uma música arrepiante, sonora, emocionante. Arte de verdade.
O pianista voltou a ser famoso. Surdo, ainda tocava como ninguém. Viveu uma vida próspera, com uma carreira de sucesso e muitos fãs.
Quando fez setenta anos, ele colocou uma cóclea.
Um dia, um fã veio perguntar ao pianista como havia sido possível compor sem escutar a própria música.
- Todos deveriam ser surdos por alguns anos. Não ser capaz de escutar nada faz a gente ser capaz de sentir tudo. Eu compus porque música de verdade tem que vir do coração, não precisava dos meus ouvidos.
Aquele foi o pianista mais sábio de todos os tempos.

domingo, 25 de setembro de 2011

Durante a Madrugada

Ele passava o dia inteiro estudando. Queria ser antropólogo - o melhor de todos. À noite, se deitava e dormia tranquilamente.
De repente, em algum ponto da madrugada, ele se levantava, saía de casa e vestia sua armadura. Polia a espada, colocava o elmo e procurava donzelas em perigo para salvar. Lutava contra dragões e outros cavaleiros de cima de seu cavalo puro-sangue dourado. Nunca perdia uma batalha sequer. Reportava-se a reis e rainhas, descobria grandes tesouros, servia de modelo para quadros e esculturas. Estava treinando um exército para invadir Lisboa caso o país não encerrasse as atividades comerciais com a Inglaterra. Algum dia ele seria o maior de todos os cavaleiros do mundo.
Então ele acordava e voltava a estudar. Queria ser antropólogo - o melhor de todos.

sábado, 24 de setembro de 2011

Cataratas do Iguaçu

Nas Cataratas do Iguaçu existem muitas borboletas. Elas vêm e voam em cima de você. É sempre úmido e é impossível andar sem se molhar. A água é muito forte e, para completar o clima de paraíso, um arco-íris indelével enfeita o céu.
Existe uma passarela de madeira por cima da água que permite que as pessoas fiquem mais perto das cataratas. Eu estava andando nela quando vi um casal rindo como se não houvesse amanhã. Eles se abraçavam, como se fosse realmente muito engraçado. De repente, ele ficou sério. Se ajoelhou e disse, bem alto, tirando uma caixinha - de plástico - do bolso:
- Case-se comigo.
Ela gritou que sim. E eles voltaram a se abraçar e rir, agora, depois de dar mais um passo para a frente na relação. Não eram mais namorados, eram noivos. E estavam molhados, juntos, no meio de arco-íris, borboletas e rodeados pelas Cataratas. Realmente, aquilo foi um dos momentos em que desejei que meus olhos tirassem fotos.

O Peixe

Assim que nos mudamos para a casa onde moro hoje, em 2001, compramos um aquário. Ele é enorme. Na época, tinha dezenas de peixes exóticos e meu pai cuidava dele toda semana. Com o tempo, as pessoas pararam de importar os peixes para a nossa cidade e acabamos ficando com um peixe só: um acará-bandeira perolado com listras pretas. Ele já tem seis anos de idade.
Um dia desses, ele estava nadando de cabeça para baixo. Eu pensei que estava morrendo e, nossa, ele sobreviveu. Outro dia, minha mãe foi limpar o aquário e não tinha mais o produto essencial para a vida do acará e de um mato-grosso que tínhamos também. O mato-grosso morreu na hora. O acará ficou no fundo do aquário, deitado, como se estivesse morto. Algumas horas depois, ele levantou e começou a nadar de novo tranquilamente.
O último episódio foi que o peixe ficou cego. Papai disse que ele ia morrer de fome, porque, se não enxergava, não poderia comer.
Aí a gente começou a colocar a comida no aquário normalmente e dar umas batidinhas no vidro. Com o tempo, o peixe aprendeu a subir quando as ouvia e comer. Hoje papai o chama com estalos.
Começamos a chamar o peixe de Joseph Climber.

Inspiração

Um dia um cara me perguntou o que me inspira. Eu não soube responder; pensei e falei que, ah, dependia da situação. Ele contou que escrevia também, que uma professora de filosofia o ensinara, mas que parou porque não se sentia mais inspirado. Agora ele tinha uma namorada e queria escrever para ela quando ela fizesse quinze anos, mas não conseguia. Eu pedi desculpas por não poder ajudar e disse que quando fosse a hora de escrever ele conseguiria. Inspiração não é uma coisa que se precise procurar.
Aí eu cheguei em casa e comecei a ler meus posts pra ver o que me inspirava. E, na verdade, descobri que é tudo. O nascer do sol, as pessoas que eu vejo, animais, situações, sonhos.. Tudo me inspira.
No dia seguinte, eu cheguei pra ele e falei "escreva sobre ela. Os olhos dela. O rosto, o jeito que ela te olha, se você a ama, então ela te inspira."
Inspiração é assim: você está estudando aquela matéria cabeluda e de repente pensa em alguma coisa perfeita pra escrever. Você está dormindo e tem um sonho. Não dá pra prever, ela simplesmente vem. É como um raio que te atinge.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Destino

Namoraram durante alguns anos até que ele teve que ir embora do estado para fazer faculdade. Queria ser piloto. Ela era muito jovem, era bonita, era boa de papo, era difícil. Muito difícil. E por isso, todos a queriam. Eles terminaram e ela teve mais um ou dois, mas eram rolos de noite. Um beijo, dois beijos. Ela ia embora. Sofrera demais por uma vida inteira e tinha medo de sofrer de novo. Ele era charmoso, simpático e sedutor. Teve mais algumas, mas manteve o foco nos estudos.
Ela se mudou para os Estados Unidos para fazer faculdade. Arranjou emprego em um aeroporto. Era da equipe de terra e orientava os passageiros que desembarcavam.
Um dia, ela estava trabalhando. Era só mais um dia. Ajudava uma senhora quando sentiu o inconfundível perfume. Olhou para a frente e o viu, com uma camiseta branca com berimbelas e um quepe. Estava acompanhado da tia e de algumas primas. Ela ofereceu ajuda, olhando nos olhos dele, mas vendo através das pupilas dilatadas.
Trocaram informações e ela pediu a um colega para substitui-la por quinze minutos. Correu até a pista. Era perigoso e proibido, mas ela queria estar lá. Sentia-se segura. Chorou tudo o que guardara ao longo dos anos.
Ele colocou a mão sobre o ombro dela.
- O que foi?
- Nada.
- Não fale como se eu não te conhecesse.
- Não é nada que eu deseje compartilhar.
- Então o problema sou eu?
- Não. É a falta de você!
- Falta?
- É. A lacuna a ser preenchida em mim. Trabalho aqui para me sentir mais próxima de você.
Ele a abraçou, apesar da relutância. E aquele momento jamais caberá em uma postagem de blog. Foi reconfortante, cheiroso, macio, charmoso, saudoso, foi tudo o que um abraço deve ser. Além disso, foi esclarecedor. Mesmo depois de um fim com tantas lágrimas e tanto ressentimento, eles seriam namorados para sempre. Se aquilo não era destino, o que mais seria?

domingo, 18 de setembro de 2011

O Dia Amanhecia

Eu adicionara um novo tópico à minha lista de coisas a fazer antes dos dezoito anos: ver o sol nascer. Na primeira vez que tentei, todas as janelas e portas da casa da minha amiga estavam trancadas e tinham o vidro fosco. Dessa vez, eu estava em casa. Passara a noite acordada inventando o que fazer. Eram 5h 15 quando eu levantei e abri uma janelinha acima da porta principal.
O vento gelado da madrugada assoprou no meu rosto e o cheiro do sereno invadiu minhas narinas. Os passarinhos e o galo cantavam. O céu estava azul-celeste, rosa-algodão-doce, laranja-cenoura e tinha nuances de violeta-tapa. Era, sem brincadeira, irresistível. Senti vontade de sair correndo e gritar. O dia amanhecia diante de mim, para mim. O rosa e o laranja foram clareando e dando lugar a um estonteante azul. O violeta pouco se fez notar. Uma gigante esfera brilhante saía por trás das árvores. Corri até a cozinha para pegar a câmera, mas tinha esquecido de botá-la para carregar - ficaria só com a lembrança dos olhos.
Eu sentia as cores no meu rosto. O dia amanhecia e transbordava felicidade.
A Torre Eiffel é linda. O Cristo Redentor é único. Macchu Picchu é inacreditável. Mas o nascer do Sol é - apesar de tão mais simples - tão puro que não pode ser explicado com palavras.
Eu presenciava uma coisa para poucos. Meus pais, mesmo, estavam perdendo aquilo. E eu estava lá quando a hora mais bonita do dia aconteceu. Depois das 5h, antes das 6h. Eu recomendo. Não tem nenhuma experiência que se pareça com a de assistir de camarote o nascer do Sol e ver o dia amanhecer só para si.

Magia

O aniversário de 15 anos da minha filha foi a coisa mais linda que se pode imaginar. Eu insisti para que ela viajasse, mas ela preferiu fazer uma festa. Convidou catorze amigas e organizou uma valsa. Quis descer das escadas de aço e quis que eu trocasse suas sapatilhas brancas por sapatos de salto prateados. Eu conhecia o procedimento, na teoria, mas nunca tinha tido uma filha que fizesse uma festa de 15 anos como a dela. Como se tivesse outras filhas além dela.
Todas as luzes se apagaram e tudo ficou invisível. Um holofote de luz branca se acendeu e lá estava ela, como uma princesa, sorrindo, parada antes de descer as escadas. Desceu-as devagar, como quem brinca, aproveitando para ser criança. Quando seus pés tocaram o chão, já era uma mulher.
Seu olhar me atingiu. Olhos marcados por muita maquiagem, castanho-avermelhados fortíssimos e transbordando personalidade. Ela se aproximou. Todos esperavam que se sentasse, mas, antes, se inclinou e me deu um beijo no rosto.
Depois dizem que gente grande não sabe mais o que é magia.

O Amor

A vida de Pablo pode ser dividida em dois períodos: A.V. e D.V.; Antes de conhecer Valéria era uma pessoa, e depois de tê-lo feito, era outra. Se não continuasse com o mesmo rosto seria irreconhecível. Foi como se tivesse nascido de novo. Ele era racional, equilibrado, centrado, nunca demonstrou muita emoção. Era rude e difícil de lidar. Mas aí ele a conheceu e amou tanto, mas tanto, que tornou-se um tolo apaixonado e tagarela. Ria por tudo. Isso é uma coisa estranha, mas maravilhosamente nobre, o amor.

sábado, 17 de setembro de 2011

Esperar pelo Futuro

Ela não esperava nada. Nem uma mensagem, nem ligação, nem cartas.. Não depois daquela briga horrível que tivera com ele. Xingou-o e depois passou noites chorando.
Mas naquele dia, recebeu uma mensagem na qual ele dizia que a perdoava. E ele conversou com ela no msn, e fez com que ela conversasse com ele também. Como se nada nunca tivesse acontecido. Como se todas as brigas e lágrimas tivesses sumido e eles se conhecessem a vida inteira, como melhores amigos.
Ela chorou quando se lembrou do perfume dele. Tinha saudade de receber um sms de 'bom dia' todas as manhãs e um telefonema de 'boa noite' antes de dormir. Ela tinha planejado seguir em frente e já estava com meio caminho andado quando ele apareceu e fê-la retroceder.
Ela não queria aquilo que fazia. Ela queria o impossível, queria ele. Queria um abraço e um beijo dele. Mas sabia que um não cabia na vida do outro.
Conversaram pelo telefone e ele sabia exatamente como ela se sentia. Ela desligou rapidamente e refletiu sobre a vida. Ocorreu-lhe que talvez aquele fosse o destino dos dois: conhecer-se, separar-se, seguir em frente e depois encontrar-se de novo. Quando isso acontecesse, não haveria mais obstáculos. Ela seria maior de idade e ele estaria formado na faculdade. Tudo voltaria ao normal. Ela sabia que ele era o que deveria ser e sabia que ele o seria para sempre. Por isso, decidiu esperar pelo futuro.

Nunca Acaba

Ela tinha ido acampar com os amigos. Estava no meio do nada, em uma fazenda a algumas horas de casa, deitada em uma lona estendida na grama do lado de sua barraca. Jogava no celular.
Ele saiu da barraca e perguntou por que ela estava deitada do lado de fora se estava jogando no celular. Ela respondeu que gostava do céu.
- Como pode você gostar do céu e estar virada de costas pra ele bem na hora em que as estrelas aparecem?
- ...Estrelas?
Ele se deitou ao lado dela. Ela guardou o celular e ficou maravilhada na hora em que viu o céu, repleto de estrelas. Não era o céu preto que se via em São Paulo. Era um céu com pontinhos brancos e brilhantes e que se estendia até o infinito.
- Isso é bem melhor que um celular - ela disse.
- Se existir vida em outro planeta, esse céu que estamos vendo agora é o mesmo que as pessoas de lá vêem. Essa é a beleza de olhar pro céu: não saber onde acaba, saber que nunca acaba.

Prélude à L'Après-midi d'un Faune

Ela tinha acabado de ler Crepúsculo e só queria ser que nem a Bella. Passou a usar shampoo de morango e queria gostar de Claude Debussy. Estava numa farmácia que tinha uma prateleira de CDs e resolveu botar pra tocar um deles. Não era nada demais, só música clássica. Só um compositor.
E aí ela ouviu Prélude à L'Après-midi d'un Faune. E Debussy deixou de ser um compositor para se tornar mágico. A música clássica deixou de ser só isso para se tornar emoção. E hoje em dia, toda vez que ela escuta essa música, chora.
Debussy, sim, é um artista. Essa é a verdadeira arte: saber emocionar. Não é só uma melodia bonita, é uma música que arrepia. E quem tem alma de artista sabe reconhecer os verdadeiros artistas.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Árvore e a Coruja

Era uma vez uma árvore solitária e uma coruja errante.
Um dia, a coruja pousou na árvore, que convidou-lhe a morar lá. A coruja negou e disse que apenas pernoitaria, porque ia para a casa da prima. A árvore se ofereceu para contar-lhe uma história para dormir. A coruja aceitou. A história era assim:
"Era uma vez uma árvore solitária e uma coruja errante.
Um dia, a coruja pousou na árvore, que convidou-lhe a morar lá. A coruja negou e disse que apenas pernoitaria, porque ia para a casa da prima. A árvore se ofereceu para contar-lhe uma história para dormir. A coruja aceitou. A história era assim..."
Quando a coruja perguntou pelo fim da história, a árvore disse que ela teria que ficar para saber, porque era uma história de vida e a vida não pode ser contada antes de ser escrita. Assim, a árvore ganhou uma companheira e a coruja ganhou uma lição de vida.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Desmoronamento

Eles estavam juntos há dois meses - aquele começo fresquinho e super apaixonado. Não faziam outra coisa além de pensar um no outro.
Trabalhavam juntos, no terceiro e último andar de um prédio. Um escritório. Naquela manhã, eles não se falaram - haviam brigado na noite anterior. Apenas se entreolhavam.
Ela estava preparando café para o chefe e ele estava arrumando a papelada. De repente, escutaram um barulho alto. Um estrondo. Uma nuvem de poeira. Gritos. Tudo ficou cinza.
Ouviram o chamado para evacuar o prédio. Correram para as escadas. Ela bem na frente, ele entre os últimos a sair. O prédio começou a tremer quando algumas pessoas já tinham saído, mas os dois ainda estavam lá dentro.
Ele correu para baixo de uma mesa de aço. Ela se viu sozinha no meio da recepção do prédio prestes a desmoronar. Em uma fração de segundos, tudo caiu. Ela fechou os olhos e esperou a morte.
Quando ela abriu os olhos, estava nos braços dele. Se abraçaram. Foi eterno.

sábado, 10 de setembro de 2011

(Sacaneando com) Cristóvão


Oi, eu sou o Cristóvão. No post anterior, contei a vocês a versão da minha história que é fiel à história que contam pra vocês na escola. Bem, aquela história é pra rinoceronte dormir. Vou contar a história de verdade e, bem, prometam que não vão colocar isso nas provas de vocês.
Eu nasci em Gênova, na Itália. Queria tornar-me navegador e descobrir outro continente, então sugeri aos governantes do meu país que me deixassem navegar alguns meses em linha reta, já que a Terra era redonda. Algum dia chegaria em algum lugar. Eles riram na minha cara e me mandaram ir dormir. Fiquei puta-revolts e vazei pra Espanha. A linda da rainha de lá vendeu as jóias dela e me deu três caravelas.
Fui.
A viagem demora, sabe como é não, não sabe porque hoje existem aviões. A gente tem tempo pra pensar em coisas absurdas. Mas eu, homem centrado e futuro descobridor de continente, pensei em que nome daria à minha descoberta. Pensei em Colômbia, pra combinar com meu sobrenome. Pensei em Colombo. Mas "descobrir Colombo" não fica muito sonoro. Cristoviana, Novo Cristóvão, Cristóvã. Cristóvã, a terra do futuro. Cristóvã, o novo mundo. Cristóvã. Poderia repetir isso mil vezes por dia.
O tempo passou, a comida acabou, um monte de gente morreu. Estavam organizando um motim. E daí? Eu seria o descobridor da Cristóvã. FO-DAM-SE.
Eles iam me matar mesmo e tal! Mas aí um dos manos gritou "Terra à vista!" e tudo mudou. Alguém perguntou se tinham jogado areia nos olhos dele. DELS, que piada péssima.
Descemos, comemos umas frutas e umas minas, cheiramos umas coisas, bebemos água pura e cristalina. Eram selvagens valentes que viviam de caça, pesca, frutas, raízes e sementes. E talz. Bando de pretos.
Parei e dei um grito. "BEM-VINDOS AO NOVO MUNDO! VOCÊS ESTÃO PRESENCIANDO O DESCOBRIMENTO DA CRISTÓVÃ!" /UAAAAAL, vomitei arco-íris
Aí, do nada, chegou um branco.
"Olá, bem-vindos à América."
COMAÇIM AMÉRICA? É CRISTÓVÃ, MERMÃO
"Como assim, senhor? Meu nome é Cristóvão Colombo e eu acabei de descobrir a Cristóvã."
"Bem, seu Calombo, como pode o senhor ter descoberto um novo continente se eu já estava aqui e já cartografei as áreas próximas? Meu nome é Américo Vespúcio e eu descobri a América, que por acaso é esse continente que o senhor está agora."
É COLOMBO, PORRA. CALOMBO É O QUE EU VOU FAZER NESSA SUA BOCHECHA ROSADA
Fazer o que, né? Gente civilizada - leia-se "gente daquela época" - não ia pra porrada. Aceitava e xingava a mãe, as tias, primas, avós, avôs, papagaio, periquito, basilisco e/ou dragão bem baixinho.
Então, eu voltei da viagem obsoleta com minhas caravelas obsoletas, minha tripulação obsoleta e a minha bosta de vida obsoleta que não fazia mais sentido, já que aquele português do Américo Vespúcio roubou meu continente.
Americanos, a partir de agora, saibam que essa é a história de verdade. Autodenominem-se Cristovianos. Assumam suas origens. Mas, de novo, não coloquem isso nas provas de vocês.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Cristóvão

Meu nome é Cristóvão e eu nasci na Itália. Na minha época, mal se sabia que a Terra era redonda. Eu cresci admirando o mar e tornei-me um navegador.
Queria descobrir novas terras - quando isso acontecesse, minha missão na Terra estaria completa. Dirigi-me aos governantes de meu país.
- Sabemos que a Terra é redonda e os continentes são cheios de curvas. Ninguém nunca tentou navegar em linha reta para ver o que acontece - eu expliquei a eles.
- Isto é um absurdo. Se você navegar em linha reta, vai acabar chegando do outro lado da Itália.
Passei anos pensando no que poderia fazer. Decidi me mudar para a Espanha. Cheguei lá em 1492.
Fui ao encontro dos reis Fernando e Isabel, casados desde 1469.
- Sabemos que a Terra é redonda e os continentes são cheios de curvas. Ninguém nunca tentou navegar em linha reta para ver o que acontece.
- Está sugerindo que exista mais um continente a ser encontrado?
- Sem dúvida, Majestade.
- Você parte em alguns meses - A rainha Isabel me encorajou.
A rainha vendeu as próprias jóias e montou para mim uma frota com três lindas caravelas. Dia 3 de agosto do mesmo ano, eu estava partindo.
Foram meses navegando em linha reta. Meses que poderiam ter sido anos, séculos, milênios. Enfrentamos tempestades e calmarias, assistimos o sol nascer e se pôr. Muita gente morreu. Muita gente adoeceu. Várias vezes achei que as autoridades italianas estavam certas em dizer que não havia mais nada - afinal, já estavamos em 1492! O que mais poderia haver para se descobrir? - e pensei em desistir. Mas quando o sol nascia de novo, eu mudava de idéia.
O tempo infinito, por fim, passou. A comida estava acabando, as pessoas, adoecendo e morrendo, e a água potável, cada vez mais escassa.
- Vamos voltar - diziam meus marinheiros. Eu negava. Precisava haver alguma coisa. Mas os meses passavam e nada acontecia. Um dia, o bucaneiro João Henrique veio conversar comigo.
- Capitão, não há mais comida nem água.
- Eu sinto muito.
- Devemos voltar.
- Até chegarmos, estaremos mortos. Eu recuso-me a voltar sem descobertas.
- Voltará morto.
- Antes morto que fracassado.
- Seu desejo é uma ordem, Capitão.
Os outros formaram um círculo em volta de mim e eu percebi: era um motim.
Como se fosse cronometrado, quando eu estava prestes a experienciar a morte, ouvimos o grito:
- Terra à vista!
Todos ficaram imóveis, chocados.
A rebelião acabou e nós chegamos a uma ilha com árvores frondosas e latifoliadas, com frutas coloridas e animais de todos os tamanhos. Os nativos pintavam os rostos e dançavam alegremente. Mas a característica mais marcante era o ouro. Ouro e diamantes, tão comuns naquele lugar quanto pedras em Portugal. Mulheres curvilíneas. Eram humanos a alfabetizar e catequizar.
Coletamos riquezas, água e comida. Voltamos para casa. Fomos recolhidos com glória pelos reis. Doamos as riquezas a quem precisava. Não houve reconhecimento por parte da população.
Morri em 1506, no anonimato. Mas minha missão no planeta estava cumprida, porque eu descobri a América.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mais um Momento

Hoje eu sonhei com você. Um sonho assim, tranquilo, que me trouxe paz.
Estávamos em algum lugar com umas piscinas, e tinha um mar bravo e azul. Você me abraçava e nós conversávamos. Eu estava com a cabeça encostada no seu ombro, de modo que meu nariz ficasse em seu pescoço - como habitualmente.
Eu chorava em silêncio. Não era um choro de desespero, e sim de saudade. Um genuíno e dolorido choro de saudade. Molhei sua camiseta.
Você estava incrivelmente paciente e encarava o mar, apenas me abraçando. Então, rompeu o silêncio:
- Você já chorou todas as suas lágrimas?
Eu fechei os olhos, apreciando o som da sua voz.
- Ainda não.
Você encostou a cabeça em meu pescoço e vivemos juntos mais um momento.