segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Piedade

Ele sai do porão onde passa o dia escondido, vestido com um moletom preto e o rosto todo coberto. Não se pode ver a cor da sua pele. Ele tem uma arma carregada e mãos hábeis - além da cobertura da noite, de lua nova, tão negra quanto suas roupas e o beco por onde caminha.
Uma garotinha de 5 ou 6 anos está no supermercado com a mãe. As duas estão muito perto da saída e a mãe diz à garota no caixa que esqueceu de pegar alguma coisa, virando de costas para a criança e sumindo por entre as prateleiras.
Todas as crianças são curiosas. A garota no caixa não consegue lhe ver, porque ela é menor do que a esteira. Então, ela sai do supermercado, sozinha, em direção à noite.
Ele está preparado para qualquer coisa. Ela cruza o quarteirão e ele lhe ataca. Pula nela e aponta a arma para sua cabeça.
Os olhos azuis de criança se enchem de lágrimas e encontram-se com mortíferos olhos que usam lentes de uma cor indefinida.
Ele se prepara para atirar em sua cabeça assim que ela começasse a gritar. Mas o silêncio toma conta do momento.
O tempo passa devagar quando ela abre a boca e ele começa a apertar o gatilho. Ela sussurra:
- Piedade.
Para ele, foi como ter pisado em uma granada. Seu dedo é puxado para longe do gatilho e seu braço afasta a arma da cabeça da menina. A adrenalina toma conta do corpo e suas pupilas se dilatam. Ele se esquece de como respirar, piscar e fazer o próprio coração bater.
Ele a empurra para a direção do supermercado e desaparece na noite.
Ela entra e volta para o caixa. Sua mãe retorna, passa o cartão e coloca os produtos na sacola reciclável. Ela pega a mão da filha e as duas andam em direção ao lar.
E fora a quase-morte, foi uma noite como qualquer outra.

Um comentário:

  1. Uau! Sensacional! Li tudo em um fôlego só.
    Gosto.
    E não gosto. Acabou rápido. Mas tudo que é bom dura pouco.
    Por exemplo, a vida do cara? Mas enfim, ter essa liberdade de imaginar é bom.

    Até breve :)

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