domingo, 15 de setembro de 2013

Todos os dias

Ele se lembrava do começo do relacionamento, em uma festa, e de toda a linha do tempo estabelecida durante o ano que se seguiu. Fotos juntos, declarações em público, planos de vida, promessas e os rios de gargalhadas e carinho, ele via tudo claramente. De repente ele se lembrava que ela o olhava com desapontamento, passava dias em silêncio e não o queria mais. Então, alguém o acordava. Ele olhava para o lado e ela estava lá, colega de classe na faculdade, sem saber que ele existia, intangível. Todos os dias, ao vê-la, ele sonhava a mesma coisa.

domingo, 18 de agosto de 2013

Livros-consciência

Houve uma época em que, ao nascer, cada pessoa ganhava um livro em branco. Assim que começasse a tomar as próprias decisões, o livro começava a escrever em si mesmo, e a história que ele continha era a da vida de seu dono, de modo que o final dela sempre seria o momento presente daquela pessoa. 
Cada decisão da história de todas as vidas, nessa época, era documentada, e para descobrir tudo sobre a vida e os pensamentos de alguém, bastava ter seu livro em mãos.
Estes livros, infelizmente, tornavam as pessoas muito influenciáveis. Como era possível prever as ações premeditadas de alguém, também era muito fácil saber como persuadi-las. A solução foi transferir seu conteúdo para algum lugar individual.
Assim, as próximas gerações deixaram de ganhar livros e passaram a ganhar consciências. Suas autobiografias agora eram pessoais e intransferíveis, intangíveis, de modo que só seriam compartilhadas com quem elas escolhessem. 
Em um futuro distante, cientistas descobriram a historia da origem das consciências e começaram uma busca pelos livros de antigamente.
Os livros-consciência, aparentemente, não tinham sido extintos: tinham sido adaptados para não revelar a identidade de seus donos e, depois, publicados. Cada um dos livros do mundo, então, era uma consciência. Todos os livros publicados seriam consciências de pessoas que não ligariam se fossem lidas e cujas idéias seriam repassadas para outras.
Por isso, se aconselha três coisas para cada humano: ter um filho, plantar uma árvore e.. Escrever um livro. Escrever uma consciência. Ser um livro aberto. O senso comum de todos os humanos se desenvolveu porque todos se fizeram a mesma pergunta quando souberam da historia das consciências: se nossas autobiografias se escrevessem sozinhas, o que estaria publicado nelas hoje?

sábado, 3 de agosto de 2013

Odiava a si mesmo

Era uma besta, de dois metros e dez de altura e duzentos quilos. Ele tinha cicatrizes no corpo todo e a pele áspera e impenetrável. Não podia mais andar na rua porque as pessoas ficavam apavoradas ao ver tamanha aberração. Era um homem extremamente infeliz, por ser tão diferente de todos os outros, tão fora do padrão. Odiava Deus fervorosamente por tê-lo feito passar por essa vida tão medíocre e condenada ao anonimato ou a testes laboratoriais e manchetes sensacionalistas chamando-o de monstro.
Certo dia, encontrou uma moça delicada e pequenininha que, sorridente, dizia que amava homens altos, fortes e com cicatrizes de guerra. 
Ao ganhar um beijo dela, ele se transformou em um homem como todos os outros, de estatura, peso e aparência medianos. Sua pele ficou macia e suas cicatrizes sumiram. A moça ficou desiludida com o que ele era e o que passou a ser e o abandonou.
Era um ser humano, de um metro e oitenta e noventa quilos. Ele tinha uma pele suave e macia. Quando andava na rua, as mulheres ficavam encantadas.
Era um homem extremamente infeliz, por ser tão igual a todos os outros, tão dentro do padrão e principalmente por ter perdido o amor de sua vida. Odiava Deus fervorosamente por tê-lo feito passar por essa vida tão medíocre e condenada a ter a aparência que sempre quis e, ainda assim, viver uma vida vazia.
Odiava a si mesmo e às circunstâncias de sua vida, por ter desejado mudar sem perceber que aquela característica que ele odiava era o que o tornava tão especial para alguém.

domingo, 28 de julho de 2013

Sobre o poder das crenças

No Brasil inteiro, é comum amarrar no pulso ou no calcanhar uma fita fininha do Senhor do Bonfim da Bahia e dar três nós, que correspondem a três pedidos. Segundo a sabedoria popular, a fita se arrebenta quando os pedidos se realizarem. Essa história é sobre o poder das crenças.
Era uma vez um casal que se separou jovem, depois de muito lutar pelo relacionamento, por força do destino que os impedia de ficar juntos. Ao ficar sem recursos para trazê-lo de volta, a garota amarrou no pulso uma dessas fitas e desejou três coisas que o trouxessem de volta no futuro. Era a última tentativa.
Eles não mais se viram, não se falaram, não souberam o paradeiro um do outro. Quinze anos se passaram e a fita vermelha ficou suja e puída, mas não se partiu. A garota nunca esqueceu dos pedidos que fez e nem do ex namorado, e não cortou a fita porque a esperança é a última que morre. 
Um dia, ela saiu, à noite, e quando chegou em casa a fita tinha caído. Apesar disso, ela continuou determinada a ir atrás dele de qualquer jeito que pudesse. Acreditava que querer significava poder.
No dia seguinte, ela viajou de férias. Ao chegar no aeroporto da cidade aonde ia ficar, encontrou o ex namorado. Eles se abraçaram profundamente, e toda a saudade do mundo já não era mais nada comparada à força do sentimento que os unia. 
Dois anos depois, no dia do casamento dos dois, ela pôs o noivo a par da história da fita. O primeiro nó foi o desejo de reencontrá-lo. O segundo, na intenção de que os dois revivessem o antigo amor. O terceiro foi a vontade de viver feliz para sempre, com ele.
A fita foi encontrada no jardim da casa dela e guardada por sua mãe, e, hoje, está emoldurada e pendurada no quarto do quinto filho deles.
Essa é uma história sobre o poder das crenças.

domingo, 30 de junho de 2013

Tudo o que precisa acontecer

Sempre foram um e o outro, outro e um, juntos. Desde os onze anos, os dois cultivaram um namoro que cresceu com eles. Um dia, antes do fim do Ensino Médio, ela precisou se mudar de estado. 
Mas houve um detalhe, uma promessa. Dele, para com ela. "Se algum dia a gente se encontrar de novo, nunca mais eu deixo você ficar longe de mim". 
Tratava-se dos anos 70 - não existia nenhum telefone nem e-mail que pudesse mantê-los em contato. 
Ela anotou o endereço dele para mandar cartas - antes que a primeira chegasse, ele se mudou de casa. Perderam o contato.
Cresceram na vida, conheceram pessoas, rodaram o mundo, tornaram-se profissionais de áreas completamente diferentes. Cada um fez de si o seu melhor. Aos 30 anos, tinham carreiras de sucesso e toda a segurança financeira com a qual todo mundo sonha.
Ela foi convidada para trabalhar em um hospital novo de um amigo, e, quando abriu o envelope com o novo logotipo, viu a conhecida assinatura.
Foi fácil encontrar o endereço, foi fácil reconhecer, nele, o rosto que ela havia há tanto tempo deixado pra trás.
Vinte anos depois, num país estrangeiro, estavam os dois juntos de novo. A promessa foi, finalmente, cumprida: levou dois meses para ficarem noivos e seis para o casamento acontecer. Três filhos, sete netos e a prova de que tudo o que precisa acontecer acontece.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A coisa mais importante da vida

"A coisa mais importante da vida é ter certeza. Achar não existe, meu pai sempre me falou! É uma questão de lógica, parem para pensar: tendo certeza de alguma coisa, a gente elimina todas as possibilidades de ser surpreendido; achando, a gente reconhece que talvez erre, e, se levarmos em consideração a lei de Murphy, achar é ter certeza de que estamos errando. Se pode dar errado, segundo a lei de Murphy, ela vai dar errado. Países vão à falência por não ter certeza. Levem isso para a vida, tenham certeza de tudo o que vocês fizerem."


Um dos meus professores me disse isso hoje - tenho certeza que ele mudou minha vida pra sempre.

domingo, 19 de maio de 2013

Afogamento

Displicentemente, tira a roupa. O maiô preto fica. A touca, displiscentemente jogada na cabeça. Displiscentemente, atira-se na água. Uma braçada, duas braçadas, três, respira. Uma braçada, duas, três, respira. Uma, duas, três, respira. Vira, volta. Uma, duas, três, respira. Uma, duas, três, respira. Fim. Vinte mergulhos. Tudo de novo. Cada braçada é um problema - cada respiração, uma solução. Braçada, respiração, braçada, respiração.. Uma, duas, três, quatro, cinco.. Seis.. Dez.. Onze.. Dessa vez não houve mais respiração.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Teoria das nuvens gêmeas

Quando a gente nasce e vai crescendo, adquire uma nuvenzinha colorida em cima da cabeça. Uma nuvenzinha invisível a olho nu.
Para os 7 bilhões de pessoas do mundo de hoje, existem 3,5 bilhões de cores diferentes de nuvenzinhas. Isso acontece para que cada nuvenzinha encontre seu par.
O porquê de ser uma nuvem é facilmente encontrado: as nuvens são maleáveis, brandas, delicadamente carregadas pelo vento. Assim, cada nuvem (que já nasce especialmente para uma outra e já conhece a sua localização) espera o vento bater, para ser levada, devagarinho, para o ponto de encontro previamente combinado com a outra.
Quando a gente pensa com cuidado nessa teoria, percebe que ela faz todo o sentido. As nuvens do céu, um dia, foram ou serão de alguém. Elas estão juntas, grudadinhas, combinando pra onde cada uma vai e onde vão se encontrar. Quando decidem, elas estão prontas pra chover.
A teoria das nuvens gêmeas também explica o porquê de tantos relacionamentos que não deram certo; às vezes, nossas nuvens confundem um pouco as cores umas das outras. Nuvens de cores diferentes convivem por um tempo, mas, inevitavelmente, se separam. Nuvens de cores diferentes não podem fazer chover. Só quando a nossa nuvem encontra a nossa nuvem gêmea, a gente fica completo. Até lá, a gente precisa ter paciência e entender que até as nuvens se enganam, e que, mesmo que inconscientemente, existe uma nuvem que nasceu pra gente. E mais dia, menos dia, a gente vai sentir a tempestade do encontro das duas.

domingo, 28 de abril de 2013

É ciência

Às vezes ouço dizer que o mundo está acabando. Parece que está, quando a gente vê pessoas morrendo de fome, terremotos, furacões, guerras, doenças incuráveis e atentados à vida humana.
Só que também tem aquilo que a gente não presta atenção: crianças que nascem, trabalho em equipe para recuperar as catástrofes naturais, novas curas para doenças e gente que passa devagar com o carro nas poças de água para não molhar os pedestres.
O mundo precisa ser equilibrado. Para novas vacinas, precisam existir novas doenças; para as construções, precisam existir terremotos; para a vida, a morte; para as dificuldades, sorrisos.
Para cada erro, existe um novo acerto, e a resposta desse acerto será sempre um novo erro. E assim, sucessivamente. A Terra chacoalha (mesmo que a gente não sinta) porque, assim, tudo volta pro seu devido lugar. Tudo o que deve voltar, volta. É ciência.

sábado, 27 de abril de 2013

O fim que estava no meio

Todas as histórias bonitas que conhecemos têm a mesma estrutura: um começo em que tudo é perfeito, um meio que ameaça a felicidade dos personagens e um fim onde as virtudes vencem os pecados e a força que vem do coração é bem maior do que qualquer mal que possa existir.
Essa é a história de uma história cujo fim estava no meio.
Como todo começo de história, esse também foi uma doçura. Ele estava repleto de sinos em colinas, pássaros no céu, música e lindas rosas.
Porém, quando a felicidade dos personagens foi ameaçada e o mal se mostrou presente na vida, a doçura se foi e as linhas já escritas da história se tornaram insossas.
Os sinos nas colinas pararam de tocar, os pássaros no céu tiveram as asas cortadas, a música silenciou e as rosas murcharam.
Mas eles nunca voltaram ao normal. A história parou de ser escrita e a alegria se transformou em uma amarga sobrevida.
Essa é a história de uma história cujo triste e trágico fim estava no meio.