sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Misteriosa - Parte I



Ela usava uma capa preta, comprida, que ia até o chão e cobria seu corpo todo. Escondia seus contornos. O capuz estava sempre sobre a cabeça abaixada. O teatro dourado vinha abaixo com as óperas que ela cantava. Sempre com a capa, sempre com contornos abstratos, sempre misteriosa. Ela o fez durante anos, e nunca, eu repito, nunca, houve um lugar vazio, sequer, no enorme auditório. E nunca houve uma pessoa, homem ou mulher, que deixasse de derramar lágrimas com a voz que parecia penetrar as almas de todos. Ao final de cada apresentação, em vez de se curvar, ela ia embora. E as pessoas batiam palmas para um palco vazio.
Em uma dessas noites, com o auditório lotado, em um dos breves momentos de silêncio entre as notas, alguém lhe pediu que levantasse a cabeça e tirasse o capuz; ela continuou cantando, como se não houvessem dito nada. E as pessoas choraram, e ela levantava os braços, andava pelo palco, mas ninguém nunca vira nem sequer a cor de sua pele. A surpresa de todos foi quando, ao final da performance, em vez de ir embora, ela se curvou. E, ao levantar, puxou o capuz para que a platéia pudesse ver, de relance, seu rosto.
Alguns levantaram e foram embora, outros levantaram e aplaudiram, mas não sobrou ninguém que estivesse sentado. Todos estavam perplexos com a máscara de porcelana branca da artista e com as mãos, exatamente da cor da máscara, que contrastavam com a capa preta. Era incrível como ela parecia estar perfeitamente preparada para ser misteriosa com ou sem capuz. Às vezes, o mistério é a natureza das pessoas.

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