sábado, 20 de agosto de 2011

Verde no Cinza

Eu estava andando por São Paulo, em plena Avenida Paulista. Estava frio, e o céu estava cinza. As pessoas andavam pela rua com suas roupas acinzentadas e cabeças abaixadas.
Aquele me parecia um dia como outro qualquer, naquela cidade: cercada de gente, tentando ser discreta e prestando atenção a todos os detalhes. Eu me perdia entre tantos prédios e tão poucas árvores.
De fato, aquele teria sido um dia como outro qualquer para mim e todas as outras pessoas que, como eu, andavam pela Avenida Paulista, se algo não nos tivesse pego de surpresa.
Em meio a toda a movimentação da cidade-formigueiro, um enorme pássaro verde cruzou o céu e desapareceu. Poucas pessoas viram, e estas gritaram 'Olhem, um passarinho verde!', chamando a atenção das que não tinham visto. Como se a aparição daquele animal já não fosse excepcional o suficiente, ele voltou. Mais uma vez, em um gesto majestoso, ele veio como se soubesse que havia centenas de pessoas paradas, encantadas com o que viam. E pousou em um fio onde todos podiam vê-lo.
Para quem vem da Amazônia e vê tucanos e tamanduás todos os dias, um pássaro verde cruzando o céu não é nada demais. Mas para os paulistas, que raramente - ou nunca - vêem animais silvestres, aquilo era um acontecimento quase milagroso.
Verde significa esperança. Mas um pássaro verde que cruza a Avenida Paulista significa milagre. E o singelo animal nem imaginava que havia transformado tantas pessoas cujas vidas nunca mais foram as mesmas depois de ter experimentado um pouco da beleza da vida que não é o homem quem constrói.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Rodrigo

Rodrigo era um cara qualquer, que queria ser alguma coisa importante na vida, como todos os outros caras. Ele tinha uma bandinha e às vezes fazia uns shows.
Ele seguia uma rotina, amava os pais e contava com os amigos como se fossem irmãos. Em algumas madrugadas, ele saía e só voltava no dia seguinte, ao amanhecer.
Às vezes, Rodrigo se sentia um pouco vazio. Ele era sensato, engraçado e bom de papo. Considerava-se bonito, mas não tinha muitas meninas aos seus pés. Mas ele era mais tímido que seus amigos e recusava-se a dar amassos na primeira menina bêbada com quem dançasse o créu em alguma boate.
Um dia, ele conheceu uma garota cujos olhos acastanhados o atraíram, que sabia a letra de todas as suas músicas de cor e adorava morder suas bochechas. Eles passearam juntos e ela sorria para ele a cada brincadeira sem graça.
Com o tempo ele deixou de se importar com a imagem diante dos outros, escreveu uma música que levava o nome da namorada e descobriu a felicidade em cada mordida na bochecha que levava dela.

Sábado

Era sábado.
Ela acordou cedo para pegar o ônibus - morava no interior e estava indo para a cidade, passar o dia.
Encontrou um amigo. Até aquele momento, só o conhecera pela internet. Ele lhe deu um suave beijo na bochecha, que, de branca, ficou rosada.
Andaram juntos, conversando, até um pequeno shopping em um bairro tranquilo.
Sentaram-se na praça de alimentação, ela com uma bandeja de sushi e um cupcake, e ele com um sorriso de orelha a orelha e olhar atento.
Conversaram sobre tudo. Ela estava distraída, mas atenta a ele. Saboreava cada palavra dele muito mais do que o sushi. E aqueles sorrisos... Sua mente havia se desligado do resto do universo, e, naquele momento, só existia aquela mesa onde os dois estavam.
Quando ela falava, ele analisava seus traços como quem analisa uma obra-prima. Estava com o coração acelerado e sua boca havia impresso um sorrisinho de canto de lábio que dizia "estou fascinado por você".
Quase se podia ver a faísca de interesse entre os olhares deles. Por que aquele sábado - só aquele - não podia durar para sempre?
Foi a primeira vez que ela, que falava cinco ou seis línguas, não encontrou nenhuma palavra para descrever o que sentia.
Mesmo não durando pra sempre, aquele sábado seria eterno.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Passageiro

Era uma vez um país que tinha uma capital, como todos os outros países do mundo. E era uma vez uma banda de rock, que se separou e deu origem a duas outras. E era uma vez dois irmãos, o Fê e o Flávio, ex-integrantes da banda que se separou, que começaram uma das duas novas bandas.
Um dia eles conheceram um cara chamado Dinho, que tinha mente fértil e idéias interessantes. Inspirados no Punk Rock, Dinho e seus amigos compunham músicas. Aí eles conheceram o Loro e começaram uma bandinha. Uma bandinha que, com o tempo, se tornou uma bandona: viajavam muito e se apresentaram nos principais palcos do underground do rock brasileiro.
Enquanto os caras se apresentavam e ganhavam fama, muita gente nasceu. As músicas deles inspiraram muitas pessoas. E, em algum lugar de seu país de origem, um homem que era fã da banda teve uma filha.
O homem e sua filha se sentavam em seu Astra todas as noites, para observar as estrelas, e ligavam o som do carro no volume máximo. Juntos, eles cantavam 'O Passageiro'. Durante aqueles momentos, não havia mais nada no mundo.
Enquanto a menina crescia, ela e o pai continuavam apaixonados pela banda, que também continuava fazendo sucesso.
Em um ano qualquer, a garota fez quinze anos. E a mensagem em seu convite contava a história de um homem com quem ela observava as estrelas e cantava uma música dentro de seu carro...

sábado, 13 de agosto de 2011

O Mendigo

Eu e minha madrinha fomos ao supermercado, a duas quadras do nosso hotel. Eram quase 21h. Na volta, cada uma de nós carregava duas sacolas de plástico. Um senhor chegou e nos pediu dinheiro para comprar comida para seus filhos.
E ela parou. Sozinha, comigo, em uma rua deserta, na Grande São Paulo, às nove da noite, ela parou e abriu a bolsa.
Mexe, remexe, ela tirou algumas moedas de um bolso e entregou nas mãos do senhor, que abriu um grande sorriso - desprovido, quase totalmente, de dentes - e desejou que Deus nos abençoasse.
Continuamos andando, e ela começou a conversar comigo:
- Bia, eu vou embora essa noite, mas deixei umas esfihas do Zattar no balcão. Também tem o macarrão que você fez, a sopa, arroz e um frango. Se você não for comer essas coisas, embala num saquinho e dá pro primeiro mendigo que aparecer. Se você tiver medo, bota em qualquer cantinho que eles pegam. Essa gente pega comida do lixo, quando você entrega comida boa pra eles é como se eles ganhassem na loteria.. E pra gente tem a recompensa da realização espiritual, a sensação de fazer uma boa ação é maravilhosa. Nesse Brasil tem muita gente passando fome, principalmente aqui em São Paulo. E a gente, que tem tanta coisa, tem nas mãos a obrigação de não deixar faltar comida pra eles. Pode deixar faltar tudo, menos comida.
O mendigo para quem ela tinha dado as moedas passou por nós, correndo, com uns pães em um saco plástico.
- Muito obrigado, moça! Deus lhe dê todas as suas riquezas em dobro!
Minha madrinha vai para o céu.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Banquete

Era uma vez uma senhora de 37 anos, divorciada, com uma filha, advogada e psicóloga formada, e que entendia a vida como ninguém. Ela morava em São Paulo.
Um dia, a senhora foi em um restaurante conceituado chamado Lellis. Ela comeu um bife à milanesa, e, nesse lugar, por causa das enormes porções, é um costume levar o resto da comida para viagem. Assim a senhora fez.
Dois dias depois, ela abriu a geladeira e viu o mesmo bife. Embalou-o num saco plástico e saiu de casa, indo a caminho do metrô. Carregava o bife na mão. Na calçada, ela passou por um humilde senhor que varria todos os dias, com uma surrada vassoura, o lugar que chamava de cama - uma folha de papelão.
A senhora se aproximou, estendeu a mão com a embalagem disse ao senhor que tinha um bife com torradas e batatas. Perguntou se ele queria.
O humilde senhor sorriu, com os olhos brilhando e o coração acelerado, as mãos trêmulas estendidas para o que, naquela noite gelada na grande cidade, chamaria de banquete.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Casa do Artista

Eu fui ao teatro hoje e sentei no lugar onde quase ninguém quer sentar: a primeira cadeira da primeira fileira, no canto esquerdo. Mas é por causa da alma de artista, que não quer assistir só a peça, e sim o que fica por trás dela. De onde me sentei, no vão entre a cortina e a parede, podia ver a melhor parte de uma peça de teatro aos olhos de um artista: os bastidores. Graças a isso, eu sabia quando os atores cantavam com playback ou com as próprias cordas vocais, quem fazia mais de um personagem e quem estava usando cinta. Acompanhava expressões faciais e maquiagens malfeitas. Para quem tem alma de artista, isso é bem mais excitante que ver uma peça escrita por Luís Fernando Veríssimo - é como participar dela.
Estava eu, sentada, observando em primeira mão os últimos momentos antes de a peça começar, com os olhos brilhando de emoção e pouco me lixando se minha mãe achava meu lugar o pior de toda a sala de teatro ou não. Porque, naquele momento, só existíamos o teatro e eu. E os atores - meros coadjuvantes - me mostravam seu universo: o universo da arte. Do glorioso momento em que as cortinas se abriram até a hora em que elas se fecharam, eles estavam ali, a meio metro do meu corpo, e cantavam, dançavam, atuavam e interagiam entre si por mim e para mim.
O teatro, local onde tantos contruíram uma reputação e tantos outros viram ruírem seus sonhos, é a casa de todo artista. Representa, desde a Grécia Antiga - talvez até antes disso, quem sabe? - a expressão livre, tanto do autor da peça quando do ator que dá a vida a um personagem. Representa a imaginação que pode ir aonde quiser, desde os mais simples comentários sobre coisas do cotidiano até os mais fantasiosos universos paralelos.
Um artista é como um cão-guia. Não é qualquer um. É uma criatura cativante, prestativa, social, curiosa, empolgada, empolgante. E, acima de tudo, uma mente fértil. Sonhadora, que brota como mato e dá frutos maravilhosos. A indústria artística é a que paga os mais altos salários, tem os mais altos cachês e a que dá mais reconhecimento. Você pediria um autógrafo a Drauzio Varella ou Michael Jackson?
O artista mais puro e apaixonado pela arte é aquele que acorda feliz por estar indo para o trabalho, fica chateado quando não pode ir e não anseia por férias - simplesmente porque, para ele, não existe diferença entre o trabalho e o hobby: os dois se misturam. Ele se apiaxona pelo próprio trabalho, se orgulha das criações e cuida delas como se fossem seus filhos. O artista reside na própria imaginação, esteja ela atenta aos bastidores de um teatro ou perdida em uma galáxia que nenhum outro ser vivo sonha em encontrar.

domingo, 7 de agosto de 2011

Amor físico

Guilherme entra com Ana Luísa. Ele carrega uma rosa. Ela usa um vestido cor-de-rosa-envelhecido e espadrilhas creme. Seus cabelos estão soltos. Ele está de jeans, tênis e uma camiseta azul de mangas longas. Eles estão conversando, de mãos dadas.
Do outro lado do cenário, dividido por uma parede, está Clara, em cima de uma cama, no computador. Ela é sobrinha da melhor amiga de Ana Luísa.
Guilherme entrega a rosa à namorada e eles se beijam. Estão um de frente para o outro, no meio do palco. Ana Luísa diz que o ama. Eles de abraçam. Clara fecha o computador e rola na cama. As luzes se apagam.
Guilherme abre a porta e cumprimenta Clara. Ela corre e lhe dá um abraço. Ele a gira no ar.
- Vim ser sua babá hoje.
- Antes você do que a Carolina!
- Então, vamos brincar de Uno?
- Nessas horas você esquece de dizer que tem dez anos a mais que eu...
- Ah, já que você não quer... Eu ligo a televisão.
Ela pula em cima dele.
- Eu não disse que não queria!
Ele sorri.
- Eu também não.
As luzes se apagam.
Clara está deitada. Guilherme está sentado ao lado da cama, observando. Ele levanta. Ela abre os olhos.
- Gui?
- Sim?
- Fique aqui.
Ele volta.
- Eu estou aqui.
Ela se senta.
- Sente aqui.
Ele obedece. Clara sorri.
- Então, volte a tentar dormir.
- Não estou com sono...
- Seu pijama está furado.
- Eu sei. Vamos conversar...
- Clara, eu não tenho assunto. Vamos jogar Uno?
- Como é a sensação?
- De quê?
- Da Ana. De um beijo, um abraço, um namoro.. Como é a sensação?
- A Ana é super carinhosa.
- ... Isso não responde minha pergunta.
- É estranho falar com você sobre isso. Você é muito nova.
- Não sou tão nova assim.
- Você tem treze anos.
- E você tem vinte e três.
- Exatamente. Sou bem mais velho que você.
- Guilherme.
- Sim.
- Eu sempre gostei de caras mais velhos.
- Clara, não vamos falar dis...
Clara o beija. Ele se solta.
- O que você está fazendo? Você é tão nova!
- Te beijando. Não sou tão nova assim.
- Clara, você é nova demais pra alguém como eu!
- Amor não tem idade.
- E a Ana?
- Eu te amo bem mais que ela.
- Você é tão nova que não deveria nem saber como se faz.
- Como se faz o quê?
- Isso.
Ele a beija. Passa uma mão em sua cintura e a outra em sua nuca. Ela segura o rosto dele entre as duas mãos. Ela se arrasta até seu colo e senta. Guilherme a segura com intensidade. Ela para e o abraça. Ele está ofegante.
- O que eu estou fazendo, é isso que não sei...
- A gente pensa nisso depois. Agora só existimos eu e você.
E eles se beijam novamente. Com a intensidade e a paixão dobradas. E agora, não são mais um jovem comprometido e uma criança curiosa - são um homem e uma mulher vivenciando o amor físico.
As luzes se apagam.

Sobre amor e obras de arte

Ela nascera no Brasil, filha de japoneses. Tinha pais ricos que construíram um império de grife de roupas femininas e um talento artístico que botava no chinelo Angela Hewitt.
Ele era belga, filho de pais da mesma nacionalidade e de origem humilde, que viviam do plantio de algumas frutas, legumes e hortaliças vendidas de porta em porta pela vizinhança.
Ela cresceu, sempre rodeada de oportunidades profissionais. Cantava, tocava vários instrumentos e era ótima atriz. A única habilidade que lhe faltava era a de desenhar roupas, para que pudesse dar continuidade ao trabalho dos pais.
Ele passava seus dias ajudando os pais com a fonte de renda da família, e, no tempo livre, ia à loja de presentes local e desenhava nas embalagens.
Um dia, um casal muito bem-vestido e com ar de superioridade entrou na loja e ele, como nunca tinha visto pessoas tão glamourosas, pediu gentil e timidamente para fazer um desenho dos dois. Ao terminar, entregou-lhes a obra. E eles sorriram e foram embora.
Alguns dias depois, ela estava no aeroporto esperando que os pais chegassem. Eles haviam ido ao Afeganistão, maior exportador de tecidos do mundo, e à Bélgica, por puro prazer. Trouxeram-lhe um presente de uma pequena loja em um bairro humilde de uma pequena cidade. Era um pequeno amuleto entalhado à mão. E a embalagem tinha um curioso desenho do mesmo amuleto que ela havia ganhado.
Alguns meses depois, ele estava de volta à loja, desenhando as mãos do dono do lugar na caixa registradora. E o casal entrou, com uma folha de papel da mão. Ofereceram-lhe uma pequena fortuna para ir ao Brasil dar aulas de desenho para sua filha. Nunca haviam visto um desenho que lhes causasse a vontade de desenhar.
O tempo passou e a menina aprendia a representar cada vez mais a realidade do jeito que ela deve ser vista - com os sentimentos que causam ao artista, e não com os olhos que se vê - até o dia em que ele lhe pediu que desenhasse a felicidade.
Ela passava os dias rabiscando e apagando, rabiscando e apagando. E ele a observava, parado, em uma cadeira no canto da sala, todo dia na mesma posição. Depois de nove dias, ela lhe trouxe um desenho.
O mestre pegou a folha e viu um milhão de sentimentos, como toda boa arte deve mostrar. A iluminação calorosa, as proporções minuciosas, as feições indubitavelmente humanas. Olhos expressivos vigilantes e atentos. Era ele, sentado, observando enquanto a discípula desenhava seu conceito de... Felicidade.
Ele levantou-se. Ela, com um hábil impulso de suas pernas, alcançou seus lábios e deu-lhe um beijo. Um beijo que demonstrava todas as emoções de uma obra de arte e as emoções de uma vida real, acentuadas pela situação.
E a obra de arte estava completa.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

uma luta de boxe

eu não sei explicar como estou me sentindo. Sabe o fundo de uma panela de brigadeiro, que você raspa até a colher se dissolver? Estou espremendo meus sentimentos. Não sei se é amor. Não sei se é rejeição, se era só uma paixonite e não sei do meu futuro. Não gosto do meu corpo, não me sinto livre e não estou satisfeita com a minha vida. Antes eu construía minha vida em função de outras vidas, agora quero construir minha vida ao lado de outras. Quando se amarra os pés de duas aves, mesmo com as asas soltas, elas não voam. Então eu preciso mudar. Estudar. Parar de comer chocolate como se fosse água e começar a beber água como se fosse chocolate. Parar de confundir liberdade com libertinagem e querer sassaricar por aí, porque, com esse corpo gordo, essa cara cheia de espinhas e o papo ruim, tá difícil. E eu já tenho uma árvore pra encostar, embora ela esteja implicando pra me dar sombra. Parar de querer ser, e simplesmente me concentrar no que um dia, de um jeito ou de outro, vai me fazer ser de verdade. Ser aplicada, ser dedicada. Não estou levando ao máximo meu potencial e isso tá me levando pro fundo do poço. Resoluções pra 2011.2: 1)emagrecer vários quilos. 2) tirar 100 nas matérias que só passei porque milagres acontecem. 3) fazer mais amigas. 4) cuidar do cabelo, porque como tá não rola. 5) sorte no amor. E muita. Sendo esse o último tópico porque é o mais importante, e é o primeiro no qual eu vou investir. Nada é instantâneo, é preciso assumir os erros e corrigir eles. Aprender, e não decorar. E que fique registrado nesse blog: agora minha vida é um vale-tudo. E eu tô prestes a me tornar uma boxeadora profissional.