Ela nascera no Brasil, filha de japoneses. Tinha pais ricos que construíram um império de grife de roupas femininas e um talento artístico que botava no chinelo Angela Hewitt.
Ele era belga, filho de pais da mesma nacionalidade e de origem humilde, que viviam do plantio de algumas frutas, legumes e hortaliças vendidas de porta em porta pela vizinhança.
Ela cresceu, sempre rodeada de oportunidades profissionais. Cantava, tocava vários instrumentos e era ótima atriz. A única habilidade que lhe faltava era a de desenhar roupas, para que pudesse dar continuidade ao trabalho dos pais.
Ele passava seus dias ajudando os pais com a fonte de renda da família, e, no tempo livre, ia à loja de presentes local e desenhava nas embalagens.
Um dia, um casal muito bem-vestido e com ar de superioridade entrou na loja e ele, como nunca tinha visto pessoas tão glamourosas, pediu gentil e timidamente para fazer um desenho dos dois. Ao terminar, entregou-lhes a obra. E eles sorriram e foram embora.
Alguns dias depois, ela estava no aeroporto esperando que os pais chegassem. Eles haviam ido ao Afeganistão, maior exportador de tecidos do mundo, e à Bélgica, por puro prazer. Trouxeram-lhe um presente de uma pequena loja em um bairro humilde de uma pequena cidade. Era um pequeno amuleto entalhado à mão. E a embalagem tinha um curioso desenho do mesmo amuleto que ela havia ganhado.
Alguns meses depois, ele estava de volta à loja, desenhando as mãos do dono do lugar na caixa registradora. E o casal entrou, com uma folha de papel da mão. Ofereceram-lhe uma pequena fortuna para ir ao Brasil dar aulas de desenho para sua filha. Nunca haviam visto um desenho que lhes causasse a vontade de desenhar.
O tempo passou e a menina aprendia a representar cada vez mais a realidade do jeito que ela deve ser vista - com os sentimentos que causam ao artista, e não com os olhos que se vê - até o dia em que ele lhe pediu que desenhasse a felicidade.
Ela passava os dias rabiscando e apagando, rabiscando e apagando. E ele a observava, parado, em uma cadeira no canto da sala, todo dia na mesma posição. Depois de nove dias, ela lhe trouxe um desenho.
O mestre pegou a folha e viu um milhão de sentimentos, como toda boa arte deve mostrar. A iluminação calorosa, as proporções minuciosas, as feições indubitavelmente humanas. Olhos expressivos vigilantes e atentos. Era ele, sentado, observando enquanto a discípula desenhava seu conceito de... Felicidade.
Ele levantou-se. Ela, com um hábil impulso de suas pernas, alcançou seus lábios e deu-lhe um beijo. Um beijo que demonstrava todas as emoções de uma obra de arte e as emoções de uma vida real, acentuadas pela situação.
E a obra de arte estava completa.
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